O mestre estava sozinho na sala, de costas para a porta, absorto na redação de um artigo científico. De repente, percebeu que havia alguém à porta, parado, escorado no umbral, de braços cruzados. Ele pode perceber, pelo reflexo na tela do computador, que se tratava de um homem alto, forte e moreno. Quando se virou na cadeira num rodopio lento pra perguntar em que poderia ser útil, percebeu que o homem sorria em silêncio. Não era um rosto estranho, mas não se lembrou instantaneamente de quem era aquela feição serena. “Não se lembra de mim, não é mestre?” Perguntou o ainda quase estranho, adentrando a sala e estendendo a mão na direção do mestre, que se levantou parecendo titubeante.
Passados alguns minutos e feitas as devidas apresentações, a conversa agora já era como de amigos que não se viam há um bom tempo, o que justificava o estranhamento inicial do mestre. O rapaz não precisou entrar em detalhes de quem era, pois, sua passagem pela instituição há alguns anos ainda era vívida nas lembranças do mestre.
Aquele jovem que agora trajava camiseta branca com motivos cristãos, jeans bem cortado, barba feita e sorriso leve, muito pouco lembrava aquele que um dia fora expulso dali por mau comportamento. Fora o terror do alojamento, com rituais macabros nas madrugadas, cigarros suspeitos ao anoitecer na pequena floresta atrás dos depósitos e uma linguagem sarcástica, irônica, rebelde e desafiadora.
O mestre bem que tentara por muitas vezes convencê-lo a participar das reuniões de oração na capela, sem sucesso. Era sempre aquele mesmo rapaz de olhar penetrante e fechado que se esgueirava de longe, nos pilares da quadra de futebol, para assistir em silêncio às apresentações musicais da banda cristã de música moderna que visitava o colégio interno esporadicamente. Numa das tentativas de conversa, chegou a dizer ao mestre: “O diabo me disse que quando eu chegar ao inferno vou receber um cargo pra chefiar os demônios menores”, ao que o mestre à época prontamente respondeu: “Tem certeza que pode confiar numa promessa do pai da mentira?”
Agora estavam ali, frente a frente, numa conversa animada. Ele contou que após a sua expulsão, chegou a morar nas ruas da capital, para não voltar ao seu estado de origem e ter que enfrentar o desprezo da família. Se embriagava e dormia pelas calçadas. “Um dia (contou com voz embargada), acordei sobre o meu próprio vômito, mal a noite havia caído”. Foi então que ele percebeu que havia um folheto pisoteado na calçada cujo título era: “Onde você quer passar a vida eterna?” Após lê-lo, se deu conta de sua situação de miséria. O folheto estava carimbado com o endereço de uma igreja que ficava há poucas quadras dali. Ele disse ter se recomposto e ido até o local. Ficou na calçada ouvindo tudo que o pregador dizia, que parecia ter sido preparado apenas para ele, conforme relatou. “Me lembrei de você mestre” – falou cabisbaixo com lágrima nos olhos… “e jurei que um dia voltaria aqui pra te contar o quanto suas sementes plantadas na minha cabeça, de repente passaram a fazer sentido”.
O papo foi longe, sobre o trabalho em um garimpo, a prosperidade, uma nova família prestes a se formar, os planos para o futuro. O mestre, extasiado e absolutamente satisfeito com tudo que via e ouvia, fez um convite: “Visite os alojamentos, se apresente. Esteja comigo hoje à noite na capela. Aqueles que te conheceram há três anos atrás e foram amedrontados por suas loucuras quando estavam se ingressando no curso, agora estão prestes a se formar. Convide os alunos a ouvirem sua história hoje à noite na nossa reunião semanal”.
Foi uma noite memorável! Não haviam lugares disponíveis na capela tão logo a reunião começou, quando o mestre empunhou o violão e cantou algumas canções de louvor. Foi um testemunho quase inacreditável! Um verdadeiro milagre de mudança de vida ali, bem diante de olhos atentos e ouvidos ávidos por cada palavra que fluía dos lábios eloquentes e assertivos daquele novo homem.
Alguns dias depois, circulou um comercial de televisão, onde aquele mesmo jovem expunha uma pedra brilhante retirada de uma bateia no leito do rio. Era como se o seu sorriso dissesse: “Eu encontrei um tesouro!” Impossível não associar o comercial da mineradora com sua própria história de vida, quando uma pequena semente encontrou um solo fertilizado pelo quebrantamento e produziu uma árvore frondosa, com frutos que até hoje estão a espalhar novas sementes!