“A criança que fui chora na estrada. Deixei-a ali quando vim ser quem sou. Mas hoje, vendo que o que sou é nada, quero ir buscar quem fui onde ficou”. (Fernando Pessoa).
A vida nos obriga a acelerar o passo sem olharmos para trás, para as partes de nós que deixamos espalhadas pelo caminho em nossa jornada. O nosso cotidiano nos exige, o dia-a-dia nos cobra, e apressamos a vida como se estivéssemos correndo atrás de algo que certamente sempre se encontra a alguns passos à frente. Desejos que nunca são alcançados, ou se os são, acabam perdendo a graça, por estarem justamente no desejo, na procura e na busca por alcançá-los.
Às vezes, lançamos um olhar displicente para o passado, com o propósito de descobrir onde se encontram os sonhos que uma vez tivemos ou que uma vez alimentamos. Aqueles genuínos sonhos de infância ou dos primeiros anos da nossa mocidade, em que a única coisa que desejávamos era amar e ser amado.
Num canto da estrada, num cantinho de nós mesmos, esquecida entre detritos de esperança, está ela, a nossa criança, carente, amedrontada pelo abandono que lhe impusemos. Sim, abandonamo-la para corrermos atrás de outras coisas que a idade adulta nos exige, muito diferentes daqueles anseios inocentes de nossa alma criança, sem máscaras, sem grandes ambições de ser ou de ter, quando ainda nosso ego não tinha sido alimentado e o orgulho e cobiça de poder, não tinham tomado a dianteira em nossas vidas.
No livro de Eclesiastes, o rei Salomão deixa claro que no final tudo é vaidade e que nada compensou o esforço para correr atrás de tantas coisas, quando se perdeu o mais importante: a essência.
Chega um momento na jornada de nossa vida que é preciso determos o passo, retroceder no tempo e no caminho, à procura dos vestígios de nosso passado, que deixamos esparsos junto a nossa criança, sozinha, carente de nós mesmos, de nosso amor e aceitação. Poderíamos então resgatar aquilo que parece ter ficado distante, mas que ainda está lá, e também aqui, somente esperando.
Olhemos nos seus olhos, abracemos nossa criança em pensamento, fazendo com que nosso íntimo a receba na inocência primeira de nossa alma, do nosso primeiro amor, na pureza de sermos capazes de olhar a vida com olhos de assombro e aceitação.
Para isso, é necessário desmantelar nossas resistências, abandonar as máscaras e a nossa rigidez, para dançarmos uma melodia de novo frescor e de esperança. Sabe-se que na infância e na velhice somos capazes de viver a nossa inocência. Como se a nossa vida fosse um grande círculo que termina onde começa. Como se todos os desejos, procuras e padrões de comportamento da vida adulta se desvanecessem, e voltássemos a um único, primeiro e último anseio: a pureza de nosso coração, onde a inocência permaneceu inata, inalterada, a esperar por nós.