Cheguei. Demorei?

imagem: envato

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Olá, boa tarde. Eu sou a chuva. Acabei de passar pelas fazendas aqui perto e agora vim refrescar sua tarde aqui na cidade, lavar a poeira dos prédios e das ruas, amenizar esse clima de deserto que se instaurou por essas bandas. Eu sei que você estava com saudades de mim. Também pudera, não é mesmo? Acho que você nem se lembra de quando foi que demorei tanto pra chegar.

Eu encontrei tudo seco por aí, fora o calor quase insuportável que fiquei sabendo que tem feito. Se você me perguntar os motivos pelos quais tardei a voltar, eu poderia enumerar os maiores responsáveis, mas a resposta não estaria completa. As mudanças climáticas foram intensificadas ao longo das últimas décadas, é verdade, mas elas não vieram do acaso, concorda? No fritar dos ovos, é sempre a ganância humana que expõe a nudez da terra, que infesta o ar com a fumaça da industrialização desenfreada, interferindo no meu ciclo natural que me leva a concentrar em alguns lugares e deixar outras regiões em situação desfavorável, lamentando a minha ausência. Deixa-me te contar o que tenho visto por aí…

Eu quase pude ouvir a música de gratidão do farfalhar das copas das árvores empoeiradas e das palmeiras com seus pendões tremulando ao ventinho fresco que me antecedeu. As sementes espalhadas pelo campo já quase adormecidas se encharcaram e voltaram à vida, gestando novas árvores frutíferas no cerrado.

As jabuticabeiras agora sabem que podem florir, as mangueiras aceleraram o crescimento dos frutinhos verdes e a grama seca já apresenta pontinhos verdes aqui e ali. Eu umidifiquei o ar e muita gente começou a respirar melhor, principalmente as crianças nos leitos dos hospitais. A minha chegada trouxe o inebriante cheiro da terra molhada, que fez muitos idosos se achegarem às janelas, fecharem os olhos e se lembrarem dos seus tempos idos, quando a minha chegada era um prenúncio das férias de fim de ano. Acredita que ainda teve quem reclamasse da minha presença? Vai entender…

Minha meta agora é reabastecer os reservatórios das cidades, para que as donas de casas não precisem mais lamentar as torneiras secas todo santo dia no início da tarde. Preciso manter a temperatura regulada, os rios, córregos e lagos abundantes de água para os peixes, garantir as lavouras fartas e, de quebra, fazer aquele barulhinho bom à noite no telhado para você dormir confortavelmente. Bem, vou te deixar com os seus pensamentos e vou ali visitar um vilarejo bucólico, salpicado de flores nativas que estão me esperando antes de cair a noite.

A chuva se despediu e foi raleando até deixar um arco-íris no horizonte. Eu sei que ela vai voltar, não sem antes cirandar por todo esse vasto cerrado, transformando nuvens escuras em torrentes que correm pelo vale e fertilizam a terra. No seu trajeto, vai aplacar a fumaça, apagar os focos de incêndio nos campos e matas, lavar os telhados, regar os jardins, abastecer os mananciais.

Enquanto isso eu contemplo a minha sequidão interior ouvindo a canção do Keith Green que lamenta: “Meus olhos estão secos, minha fé envelhecida, meu coração endurecido, minhas orações estão frias…” É que um clima de deserto, muitas vezes, se instala em meu interior e assombra meu coração, trazendo desassossego à minha alma.  Como bem dizia o rei Davi, “…o meu vigor se tornou em sequidão de estio…”

Eu sei que costumam dar à chuva espiritual o nome de avivamento, mas sei também que ela só virá se antes eu me dobrar ao vento que o precede: uma atmosfera de quebrantamento. Que haja um clamor genuíno por sua vinda, um desejo de voltar ao primeiro ânimo da fé, assim como eu desejo que a chuva volte à regularidade de décadas atrás. Que tudo volte a ser como antes, sobretudo a simplicidade e o entusiasmo do meu coração!

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