Deslizando o dedo indicador pela página impressa com itens riscados e perguntas sem respostas, ela sorve um naco do resto de bolo deixado num prato sobre a mesa no centro do estúdio, empunhando um pequeno aspirador de pó e fazendo cara de quem não estava entendendo nada.
Olhou em volta e contemplou o cenário que precisava de poucos cuidados de arrumação. Bastava limpar a mesa, ajeitar as cadeiras, recolher o lixo abarrotado de folhas amassadas como se alguém estivera brincando de basquete, checar cuidadosamente os microfones e aspirar o carpete com todo cuidado para não derrubar os tripés que sustentavam as câmeras.
Mas tinha tempo para fantasiar. Todos já haviam ido embora há quase uma hora e o burburinho da agência havia cessado. O estúdio era a última parte a ser preparada para o dia seguinte. Checou as horas, tirou o avental levemente umedecido em função do trabalho anterior na pia, pendurando-o no cabo do aspirador encostado na mesa. Puxou a poltrona de frente ao microfone do entrevistado do dia e se ajeitou nela.
Pigarreou e checou mais uma vez se não havia nenhum retardatário retornando ao local de trabalho. Fez cara de séria, disse algumas palavras sem nexo como se estivesse sendo transmitida para o mundo inteiro. Sorriu para a câmera fixa e depois riu de si mesma, se levantando e já ajeitando a cadeira em seu devido lugar.
Enquanto parecia acariciar os microfones com um delicado pano e se mover lentamente pelo ambiente colocando tudo no lugar, limpando ora aqui, ora ali, pensou no quanto já havia desejado ser famosa, rica e aplaudida por multidões. Entredentes, após um longo suspiro, balbuciou uma espécie de “Quem me dera, meu Deus”, enquanto parecia polir a lateral do ar condicionado.
Sua função ali era simples e anônima. Era uma ilustre desconhecida e praticamente também desconhecida dos usuários daquele ambiente de trabalho. Quando ela entrava em cena no início da noite, talvez cruzasse com alguém pelo corredor e se limitassem a balançar a cabeça. Tudo tinha que estar limpo e organizado para a próxima sessão às oito da manhã do dia seguinte e cabia a ela a responsabilidade de deixar tudo em ordem.
Acontece sempre. Quando chegamos a algum lugar em desordem, logo percebemos desarranjos, sujeira, mal cheiro. Tratamos logo de procurar culpados. Já quando chegamos a um ambiente limpo e organizado, em meio a correria, fazemos o nosso trabalho e raramente paramos para referenciar quem trabalhou na nossa ausência.
Para a grande maioria não há holofotes, nem microfones, nem câmeras e, por conseguinte, não há fama, nem curtidas, nem compartilhamentos. Muitas vezes, sequer reconhecimento. Chegamos a pensar que é mesmo pra ser assim: uns pra brilhar, outros pra aplaudir. Uns para o palco, outros para os bastidores. De certa forma, isto me faz lembrar o sal. Quando em excesso, é imediatamente notado, quando em falta, às vezes até passar desapercebido. Se, portanto, ele fizer silenciosamente o seu papel, o paladar agradece.
Quando ela vai para casa se chacoalhando nos últimos bancos do transporte coletivo, mascando seu chiclete e observando as luzes da cidade, as pessoas e os carros diminuindo o ritmo na metrópole, ainda existe energia para cantarolar a canção popular que flui pelos fios do fone de ouvido e se despeja em seus ouvidos.
Mais um dia, sensação de dever cumprido, alguns caraminguás no bolso e a certeza que, mesmo que ninguém perceba, ela deu o melhor de si. Que assim seja!
Que nesse filme mudo do serviço a outrem, sejamos quem está debaixo dos holofotes da atenção de Jesus, o humilde servidor por excelência!