Estudos indicam que o Brasil é o terceiro país com a maior comunidade evangélica, perdendo apenas para a China e os Estados Unidos. Segundo o IBGE, em 1980 os evangélicos eram 6,6% da população brasileira; em 2000, eram 26,2 milhões (15,4%); em 2010, passaram a ser 42,3 milhões (22,2%). O crescimento é resultado de uma junção de fatores. Um dos desafios da igreja evangélica é manter uma identidade cristã firmada nas Escrituras.
O Cristianismo contribuiu para a formação da cultura do ocidente. No início, era um pequeno grupo de cristãos fiéis que perseveravam “na doutrina dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão e nas orações.” (Atos 2:42). A igreja cristã expandiu-se. Logo surgiram as perseguições que, em alguns contextos, foram motivadas por fatores políticos, religiosos, sociais e econômicos. A igreja, mesmo perseguida, espalhou-se pelo Império Romano. No ano 100 d.C. havia igrejas em cidades da Ásia Menor, Macedônia, Síria, Grécia, Roma, etc.
Durante a Idade Média, a Igreja influenciou a ciência, a economia, a arte, o direito, a educação e a moral. Houve empenho em formar uma sociedade cristã unificada; o termo teológico central era unidade (João 17:11; Romanos 12:5-16). Ainda na época da colonização das Américas, pretendia-se que o império cristão tivesse uma só fé, um só rei e uma só língua.
Robert Nichols (2008) afirma que a Igreja, apesar de seus erros, introduziu nas leis os princípios da moral cristã; amenizou a sorte dos escravos; elevou a posição da mulher; defendeu a família; criou instituições beneficentes; cuidou da educação na Europa.
Kennedy e Newcombe (2003) confirmam que o Cristianismo ajudou no surgimento de hospitais e universidades; na alfabetização e ensino para o povo; na política; nos direitos civis; na abolição da escravatura; na ciência moderna; na valorização da mulher.
Na sociedade pós-moderna, porém, não se percebe o mesmo nível de contribuição. Constata-se, em diversos países, crescente declínio da influência cristã. Em muitas culturas, a própria identidade cristã está em crise. O declínio tem sido processual. Richard Halverson avaliou: “a igreja, no início, era um grupo de homens centrados no Cristo vivo; a igreja chegou à Grécia e tornou-se uma filosofia; chegou à Roma e tornou-se uma instituição; chegou à Europa e tornou-se uma cultura; chegou à América e tornou-se um negócio”.
O resgate da identidade cristã não será uma conquista rápida e fácil. O mundo passa por profundas transformações. Nem todas são recentes. Com ênfase em Deus, a Teologia, no teocentrismo feudal medieval, fortaleceu-se e tornou-se a “rainha dos saberes”. Com ênfase no homem, a Filosofia, desde o antropocentrismo renascentista, contribuiu para emancipá-lo. Com a ênfase na tríade mercado, espírito de luta e capital, a economia, no moneycentrismo capitalista contemporâneo, alcançou a primazia. Com ênfase nas ideias, no mundo “pós-moderno”, quem parece estar no auge é a Linguística (SIRE, 2009).
Os cristãos precisam, em um mundo marcado pelas batalhas épicas das narrativas e teorias dos discursos, assumir sua cosmovisão cristã. Ferreira e Myatt (2007) entendem a cosmovisão como “um modo de ver o mundo”. Para Sire (2009), refere-se a “pressuposições que detemos sobre a constituição básica da realidade”. Colson e Pearce (2010) explicam que a visão de mundo engloba: de onde viemos e quem somos (criação); o que deu errado com o mundo (queda); como podemos consertá-lo? (redenção)? Cosmovisão é essencial.
Não podemos, porém, ignorar que em um mundo marcado por guerras de narrativas, o discurso tem limites. Contra fato há argumento, ideias desconstroem realidades, autoria e materialidade desmoronam-se diante das engenharias interpretativas e narrativas viscerais. Edgar Morin (2001) corrobora que conhecimento não é espelho da realidade, mas tradução seguida de reconstrução influenciadas pelas narrativas. Rui Barbosa já havia alertado: “A degeneração de um povo, de uma nação ou raça, começa pelo desvirtuamento da própria língua”. Francisco Escorsim arremata: “O controle da linguagem é o controle da cultura”.
O cristão também deve assumir, na vida, a identidade cristã. A sociedade instantânea gera turistas do sagrado, não discípulos, alertou Peterson (2005). Para William McDonald (2009), Jesus não busca pessoas que lhe deem as noites de folga, os seus fins de semana ou os anos de sua aposentadoria, mas “aqueles que lhe darão o primeiro lugar de sua vida”.
Keith Phillips (2008) escreve: “Cristo não pode ser o senhor da minha vida se eu for o senhor dela”. Juan Carlos Ortiz (2007) reitera: no reino do Filho (Colossenses 1:13) não faremos tudo que quisermos. Jesus deve ser reconhecido como Salvador e Senhor. J. Oswald Sanders (1995) é categórico: salvação sem senhorio é uma ideia monstruosa! Essa dicotomia está diluindo a identidade cristã e atenuando o impacto dos cristãos no mundo.
O discípulo não pode viver como se fosse o artesão da própria vida. Para Alan Brizotti (2012), a construção da identidade cristã tem como base o Cristo da Bíblia “e essa base não pode ser desfrutada na correria insana da atualidade”. James Houston (2010) reitera que o aprendizado do discípulo “é uma longa caminhada com o verdadeiro Mestre”. O discípulo aprende a “andar como Ele andou” (1 João 2:6). Assim a identidade cristã será forjada.
E você? Está preparado?