Nos bastidores: a glória do anonimato

imagem: envato

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“Sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão”. (1 Coríntios 15.58).

Um dos verbos que a conjugação da vida cristã exige é servir.  No texto em 1 Coríntios, o apóstolo Paulo não encerra suas ponderações com a última afirmativa forte e clara sobre a derrota da morte. Paulo conclui com uma recomendação prática e comunitária.

O ensino de Paulo salienta uma verdade extraordinária da vida cristã: a vida que se alimenta da mensagem da ressurreição, que não é apenas um ideal vago, abstrato, mas sim uma concretude, uma realidade. A obra do Senhor é experimentada na simplicidade cotidiana da comunidade. Nela, a fé age e se concretiza sinalizando para o novo que Deus criou em Jesus Cristo ao ressuscitá-lo.

Quem serve na obra de Deus está sinalizando para o conteúdo de sua fé: serve porque crê! (Tiago 2:26). Sua fé se manifesta em atos de misericórdia e de excelência comunitária. Uma fé completa crê no que pode fazer em Deus e também para Deus.

Eugene Peterson, em sua versão da Bíblia, “A Mensagem”, traduziu o texto de Paulo assim: “Diante de tudo isso, prezados amigos, permaneçam firmes. Força! Nada de desânimo! Dediquem-se inteiramente ao trabalho do Senhor, pois nada do que fazem para Ele jamais será perda de tempo”.

Gostaria de refletir sobre duas características da glória do anonimato, o ato de servir nos bastidores:

  1. O serviço como o próprio significado

            O texto de Paulo é uma das bases teológicas do ato de servir. Na tradução de Frederico Lourenço, Doutor em línguas e literaturas clássicas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, alguns detalhes despertam a nossa atenção: “Assim, meus amados irmãos, tornai-vos firmes, inabaláveis, excedendo-vos sempre na obra do Senhor, sabendo que o vosso esforço não é vazio no Senhor”. (LOURENÇO, Frederico. Bíblia, Volume II: Novo Testamento: Apóstolos, Epístolas, Apocalipse. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 264).

Três expressões da tradução de Lourenço chamaram minha atenção: “inabaláveis”, “excedendo-vos” e “vosso esforço não é vazio”. O próprio ato de servir (e podemos perfeitamente inserir a realidade dos bastidores) já se torna aqui mesmo seu próprio conteúdo. Quem serve sob essa perspectiva – de modo inabalável, excedendo-se e com a certeza feliz de que seu esforço não é vão – já não serve para obter algum significado; serve, pois isso já significa muito!

Quando servimos sabendo que o nosso ato é repleto de significado do Reino, servimos do mesmo modo, na vitrine e nos bastidores; no palco e atrás das cortinas; no palácio ou na caverna. A glória do serviço não está no lugar, mas na motivação. Não nos aplausos, mas na satisfação de ter vivido para servir.

  1. Servir é ir além do ser visto

            Na lógica de Paulo, a ressurreição de Cristo é mais uma das bases teológicas do servir. O próprio Cristo fez assim. No relato da ressurreição não há qualquer tentativa de transformá-la num ato midiático ou show marqueteiro. A ressurreição – a grande vitória da vida sobre a morte que o mundo já viu – foi reservada a uma rede de amigos que se conhecia pelo nome: “Mas ide, dizei a seus discípulos, e a Pedro, que ele vai adiante de vós para a Galileia. Ali o vereis, como ele vos disse”. (Marcos 16:7).

Como escreveu Eugene Peterson: “A ressurreição foi algo discreto que aconteceu num lugar silencioso, sem publicidade nem observadores”. (PETERSON, Eugene. Viva a ressurreição: o princípio da formação espiritual. São Paulo: Mundo Cristão, 2007, p. 23). Dessa forma, a glória da ressurreição não aconteceu nos palcos de Roma ou Atenas, aconteceu nos bastidores de um cemitério em Jerusalém.

Quem serve no reino, serve sob essa ótica: não para ser visto, mas para que Cristo seja engrandecido. Todo ato de culto (serviço) é uma declaração de fé, humildade e dependência de Deus e dos outros. A comunidade agradece e se legitima.

            Portanto, quando olhamos para a comunidade de fé reunida nos cultos, o que vemos é a exata reprodução dessa teologia bendita: gente servindo, alguns sob os holofotes, outros sob a penumbra, contudo, todos unidos na mesma graça: a glória do anonimato – a perspectiva de João Batista: “Importa que ele cresça e eu diminua” (João 3:30).

Minha oração é para que a alegria do serviço permaneça no coração daqueles que habitam as sombras dos bastidores. Reforçando a certeza paulina: “O nosso esforço não é vazio no Senhor”.

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Rosemara
2 meses atrás

Muito dedicado. Bom estudo

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