Falar de trânsito é falar de vidas. Por trás de cada regra, sinal ou penalidade existe um objetivo maior: preservar a vida em sociedade. No entanto, em um país onde muitos ainda obedecem apenas por medo da multa, torna-se urgente resgatar a consciência de que obedecer também é lei, não apenas a lei escrita, mas a lei da responsabilidade coletiva.
Para aprofundar esse tema, a Revista Renascer conversou com Elder Barbosa Leite, advogado especialista em Direito Civil, do Consumidor e de Trânsito, comunicador no YouTube e apresentador do Podcast “Reclame já: o canal do consumidor”. Nesta entrevista, ele fala sobre a importância da educação para o trânsito, explica as principais penalidades previstas pelo Código de Trânsito Brasileiro, esclarece direitos e deveres do cidadão e nos lembra que o respeito às regras não é detalhe burocrático, mas condição essencial para um trânsito mais seguro e humano. Confira a entrevista:
- Muitas pessoas só obedecem às leis de trânsito por medo da multa. Na sua visão, como transformar esse cumprimento em consciência de responsabilidade coletiva?
A infração de trânsito pode gerar várias consequências: pontuação no prontuário da CNH, retenção ou apreensão do veículo e, principalmente, multa pecuniária. O processo de conscientização passa, necessariamente, pelos mecanismos de educação para o trânsito, a cargo das famílias, das escolas, dos centros de formação de condutores e das ações contínuas dos órgãos que compõem o Sistema Nacional de Trânsito. Não há milagre ou fórmula mágica. Apenas a massificação da informação sobre direitos e deveres poderá civilizar pedestres e condutores. Fora da educação para o trânsito, tudo será mera retórica e desperdício de dinheiro público.
- Quais são os principais motivos que levam um motorista a ter o direito de dirigir suspenso? O que isso revela sobre a relação da sociedade com as regras de trânsito?
A suspensão do direito de dirigir é uma das penalidades mais severas previstas pelo Código de Trânsito Brasileiro. Para recebê-la, o condutor precisa cometer várias infrações e acumular pontos no prontuário da CNH. Hoje, esse somatório pode variar entre 20, 30 ou 40 pontos, de acordo com a quantidade de infrações gravíssimas cometidas em um período de 12 meses. O CTB também prevê a suspensão imediata por determinadas infrações gravíssimas, independentemente da soma de pontos, como a recusa ao teste do bafômetro, a prática de rachas ou corridas, entre outras. Ou seja, mesmo uma única infração pode resultar na suspensão da habilitação.
De forma geral, acredito que o condutor brasileiro é mal formado desde o início, pois repete vícios durante a permissão para dirigir e, após obter a CNH definitiva, fica entregue à própria sorte. Hoje, infelizmente, a regra é violar normas de trânsito sempre que possível. Só a revisão do processo de formação de condutores e a contínua educação poderão mudar essa realidade.
- Quais são os direitos e deveres do cidadão ao ser abordado em uma blitz ou ao receber uma autuação? Existe equilíbrio entre autoridade e respeito nessa relação?
Ao contrário do que muitos pensam, não existe multa automática. Todo procedimento de fiscalização precisa seguir o rito estabelecido pelo CTB, pelos Conselhos de Trânsito e pelo Manual Brasileiro de Fiscalização. O Estado só pode agir dentro do que a lei autoriza, fora disso, entramos no campo da ilegalidade. O condutor precisa saber que está envolvido em uma ação de fiscalização com identificação da autoridade, seja guarda municipal, agente de trânsito ou polícia rodoviária. Ao ser informado de uma infração, o agente deve lavrar o auto de infração (em papel ou eletrônico), podendo colher a assinatura do envolvido e disponibilizar cópia impressa ou digital.
Nos 30 dias seguintes, o órgão autuador deve notificar formalmente o condutor, por correio ou por meio eletrônico, como a Carteira Digital. A partir daí, abrem-se as oportunidades de defesa administrativa, com direito a uma decisão fundamentada em tempo razoável. Somente após esse processo é que se pode falar em penalidade efetiva.
- De que forma a desobediência às regras de consumo e trânsito afeta não apenas o indivíduo, mas a comunidade? Como o cidadão pode exercer sua cidadania de forma mais consciente?
Viver em sociedade é um desafio diário. Isso implica aceitar regras impostas pela maioria, mesmo que não concordemos integralmente, e assumir o compromisso de obedecê-las, aceitando também as punições em caso de violação. Quebrar uma regra de circulação vai além do individual. Imagine um condutor que usa o veículo como trio elétrico, passando por zonas escolares, hospitais ou igrejas apenas para incomodar, acionando alarmes e poluindo o ambiente com ruído. Essa infração não afeta apenas o agente fiscalizador, ela atinge toda a coletividade. Para transformar esse cenário, a sociedade civil precisa ocupar espaços de participação: nas escolas, igrejas, associações de bairro e, sobretudo, no parlamento. É urgente sair da passividade das redes sociais e assumir um papel ativo na construção de um trânsito mais humano e de uma cidadania mais consciente.