Ele ficou à porta do hotel até quase duas da madrugada, esperando o último passageiro que viria da América do Sul, para uma temporada de dez dias em seu país asiático, para uma agenda cheia de palestras, visitas a empresas e escolas. Estava decidido a dar todo o suporte necessário a todos os vinte representantes de nações parceiras, para que os mesmos tivessem uma ótima recepção, estada e experiência em seu país. Naquele dia, porque não dizer na madrugada de um novo dia, era seu último compromisso antes de voltar para casa e descansar por algumas horas.
Quando o brasileiro chegou, vindo de um voo de mais de treze horas cruzando o Oceano Pacífico, estava exausto, além do desnorteamento provocado por oito horas de diferença de fuso horário. O anfitrião, que jazia sorridente no saguão, o recepcionou com um inglês com sotaque oriental carregado, mas absolutamente cortês a ponto de ajudar com a bagagem até a porta da luxuosa e requintada suíte que aguardava o convidado, que se sentiu a pessoa mais importante do mundo.
O sol já havia raiado no início da manhã seguinte e ele estava lá, à porta do ônibus, sorrindo e cumprimentando cada visitante que se adentrava e se acomodava nas confortáveis poltronas, diante de uma tela para o karaokê. A jornada começaria por uma grande empresa numa cidade na região metropolitana da capital. Enquanto o ônibus fazia seu percurso, ele distribuía água mineral, contava piadas sem graça das quais todos tentavam rir e, de posse de um microfone, insistia para que todos aprendessem uma canção folclórica do seu país.
No trajeto, os visitantes puderam admirar as impressionantes estruturas de concreto que sustentavam até três pistas urbanas sobrepostas, dando ao trânsito uma fluidez incrível. Ele falava com orgulho da empresa responsável pelas obras, dando detalhes de seu projeto e construção. Volta e meia, apontava pela janela para uma ou outra obra monumental, exaltando a qualidade do trabalho desenvolvido pela empresa, elogiando seus engenheiros e relatando detalhes de suas execuções.
Quando chegaram ao destino, ao serem recepcionados pelo Diretor da Empresa, no momento das apresentações, todos os visitantes estrangeiros ficaram sabendo que aquele senhor esguio, alegre e espontâneo que os recepcionaram no hotel e os cercaram de cuidados em todo o trajeto, era na verdade, um dos diretores do alto escalão da empresa, a mesma construtora das obras de concreto armado na capital, à qual ele se referia com tanto entusiasmo. Ele havia se licenciado do cargo por alguns dias, exatamente para acompanhar e ciceronear os lustres convidados.
Noutro dia, em uma visita a uma escola de ensino profissional, se depararam com um grupo de pedreiros reconstruindo um muro, conversando animadamente. A surpresa foi saber que, entre os trabalhadores havia um médico. Quando foi questionado a razão dele estar ali, respondeu que estava sem trabalho no momento e decidiu se juntar aos construtores. Estranhou o fato de o grupo estar surpreso, pois, em seu país, todo trabalho era digno.
O brasileiro, que logo se destacou no grupo de estrangeiros por tocar violão e cantar nos momentos de recreação do grupo, se tornou o mais próximo do guia-empresário. Numa de suas conversas a sós, já próximo do dia de regresso para casa, ouviu do empresário o relato de ter que ficar dois longos anos longe da família, sem sequer visitá-la e mal se corresponder com ela, quando se preparava para o cargo que assumiria, por meio de um curso de capacitação.
O brasileiro, perplexo, lamentou o fato dele ter que se privar do convívio dos filhos por tanto tempo e teceu comentários sobre o quanto ele devia ter sofrido. Calmamente, após refletir por alguns instantes e sem querer ser indelicado, o experiente chinês se limitou a dizer: Você lamenta porque, vocês ocidentais recebem as conquistas como um direito, e nós orientais, recebemos tudo como um presente! O brasileiro simplesmente engoliu em seco, e correspondeu com gesto assertivo de cabeça.
Em alguns momentos da vida, todos nós, muitas vezes ouvimos frases que soam como uma flecha certeira em nosso orgulho e arrogância, como uma pequena bomba que estilhaça as estruturas de pensamento. Com certeza, o olhar grato e as palavras profundas daquele sábio homem, provocaram uma pequena revolução no coração do brasileiro que, dias depois, no longo voo de volta para casa, prometeu a si mesmo olhar para a vida com olhar mais grato, quando as circunstâncias lhe tentassem a reclamar de tudo!
