Depois que voltavam das aulas práticas de campo no fim da tarde, fazendo algazarra pela estrada até os portões do colégio interno, cada um se enfurnava em seu quarto e se apressava em tirar aquele macacão marrom, muitas vezes com cheiro forte de estábulos ou pocilgas, quando não pontilhados de picões ou carrapichos. A algazarra às vezes se prolongava para os banheiros coletivos de duchas vigorosas e frias, depois tudo se aquietava.
Enquanto uns cuidavam de preparar o material para as aulas teóricas na manhã seguinte, outros se acotovelavam nos bancos de madeira para encontrar um lugar na única sala de televisão, ávidos pelo capítulo inédito da novela do início da noite. Sempre tinha uns que se assentavam do lado de fora, na calçada iluminada do grande alojamento, próximo à grande figueira ao lado do campo gramado de futebol, de frente os flamboyants floridos rentes ao pavilhão das salas de aula, que agora pareciam dormir sob o manto da noite.
Caderno e lápis na mão, lá estava ele novamente ouvindo o colega contar da paixão, a descrever a beleza da pretensa namorada, como se quisesse fornecer todos os detalhes que pudessem ajudar a inspirar a carta manuscrita que enviaria pelo correio, numa época em que os envelopes com bordas em verde e amarelo e os selos decorados com figuras importantes da história do Brasil circulavam aos milhares país afora.
Quando terminava a carta, sob os olhos curiosos e quase impacientes do amigo ao lado que mal conseguia esperar para ler o texto final, ele arrancava a folha do caderno, prendendo o lápis entredentes e entregava ao pretendente, que devorava o texto com sorriso nos lábios. Pronto! Veja se era isto que você queria dizer, passe a limpo com sua letra e é só esperar a mágica acontecer – dizia o poeta empolgado. Depois de décadas, volta e meia ficava sabendo que alguns casamentos começaram com aquelas cartas, quando destinos que se cruzaram recebiam o auxílio luxuoso de uma daquelas cartas apaixonadas, que arrancava suspiros das moçoilas que esperam pelo retorno de seus valentes técnicos, com diplomas, sonhos e planos de constituir uma nova família.
Pensando nessas histórias com finais felizes ou não, há que se refletir: quantas histórias os vários tipos de cartas ajudaram a escrever! Quantas memórias construídas a partir de trocas de informações envolvendo afetos e desafetos, revelações ou segredos, notícias ansiosamente aguardadas, sábios conselhos ou simples declarações de amor! Quantas vidas influenciadas ao abrirem envelopes! Suspiros profundos, sorrisos, lágrimas, surpresas, decepções, alegrias e tristezas.
O Apóstolo Paulo que o diga! Suas cartas, por exemplo, circulam até hoje, impactando gerações inteiras, organizando comunidades, edificando vidas. Que artifício maravilhoso eternizado em pergaminhos, traduzidos à exaustão e espalhados mundo afora ao longo dos séculos, até os dias de hoje.
Finalmente, como não definir Jesus Cristo como uma carta de amor de Deus à humanidade, revelando pelo Espírito Santo o caminho que nos leva de volta ao seu regaço? E quanto a nós? Como não lembrar que nossas vidas precisam ser como livros abertos para que se possa ler em nós a tradução do amor de Deus pelo próximo?