Quem mudou: o natal ou eu?

imagem: envato

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O povoado onde morei até os sete anos de idade parecia uma pequena vila extraída de um filme da América medieval. Salpicada de árvores frondosas e recortada de caminhos de cascalho, tinha grama verde por todo lado, pontilhada de flores rasteiras e canteiros naturais de gabiroba, uma frutinha do cerrado que mais parecia uma jabuticaba verde. Por falar em jabuticabas, elas estavam em toda parte até fora da estação certa, pois os regos d’água brotavam em pequenas fontes aqui e ali.

Tinha a escola das minhas primeiras lições, a capela no centro do povoado, as vendas ao redor da clareira que servia de praça, alguns ranchinhos de palha permeando as casas feitas de adobe, em sua maioria. Ao lado da nossa casa se erguiam dois majestosos pés de cedro, que compunham o cenário de nossas rodas de cantigas e brincadeiras de ciganos.

Foi nesse ambiente que experimentei os primeiros Natais da minha vida. Meu pai nos levava a acreditar que papai Noel viria à noite e deixaria presentes debaixo de nossas humildes camas. Não havia renas, chaminés ou trenós em nossa imaginação, talvez um cavalo que voava sem asas de madrugada para distribuir os presentes para as crianças que tivessem se comportado bem o ano inteiro.

Antes de irmos para a cama, a excitação era enorme. O clima de fantasia e a sensação de que algo muito especial iria acontecer naquela noite nos estimulava a deixar na janela uma xícara esmaltada com café para o velhinho e um punhado de capim para o seu cavalo. No outro dia, ainda muito cedo, olhar debaixo das camas era algo indescritível. Os mimos estavam lá, sempre brinquedos, além dos nossos sapatos recheados de balas, daquelas que vendiam no armazém, acondicionadas em grandes latas que depois eram usadas para guardar farinha.

Hoje, provavelmente para as crianças, parte desse clima ainda resista ao tempo, mesmo na modernidade, mesmo as crianças sabendo que Papai Noel é um produto comercial. Hoje os presentes são sofisticados, o comércio fervilha, a muvuca é generalizada, os adultos comemoram a seu modo, as crianças logo estão entediadas dos novos mimos. O que mudou? O espírito natalino envelheceu com a gente?

Claro, nós crescemos, amadurecemos, adquirimos conhecimento, sabemos tudo sobre os muitos significados do Natal e como cada público o vive. Tenho que confessar: tenho muita saudade da minha inocência, da minha pureza, da minha credulidade nas pessoas e em suas promessas, na certeza que eu tinha do presente da manhã seguinte, do quanto eu amei aquele cavalinho verde de plástico com rodinhas, daquela atmosfera tão contagiante!

Eu entendo quando Jesus disse que quem não se tornar como uma criança não pode entrar no reino dos Céus. Talvez isto explique a urgente necessidade que temos de nos desarmar, de baixarmos a guarda contra as pessoas e abraçarmos a simplicidade, como diz Richard Foster em um de seus famosos livros.

O Natal pode ter se reconfigurado, porque a vida contemporânea lhe trouxe outros sons e tons. A festa pode ter perdido o verdadeiro sentido que os cristãos conhecem bem, mas uma coisa jamais mudará: o sempre urgente chamado do Senhor à singeleza de coração, que fará com que nossas expectativas não estejam na festa em si, mas na pessoa do eterno aniversariante!

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