Um versículo pra chamar de seu…

imagem: envato

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O tilintar das chaves presas ao chaveiro do quarto de hotel pareceu despertá-lo de seus tristes pensamentos, quando girou a maçaneta e entrou, jogando a mochila sobre a cama. A primeira atitude foi se olhar no espelho e passar a mão sobre os cabelos em desalinho, contemplar as olheiras e a expressão de profunda exaustão, típica de quem já estava três noites sem dormir direito, escorado numa poltrona de hospital.

A última lembrança vívida era da janela do terceiro andar do imponente prédio na avenida, no cair da noite escura, trânsito já calmo, quando o vulto de sua esposa através da cortina que caminhava apreensiva de um lado para o outro no quarto. Ele até podia imaginar sua filhinha de sete anos presa àquela cama, com tubos e sensores, olhinhos fechados, imagem que ficou petrificada em sua memória pelo longo tempo de observação nos últimos dias.

A situação era um pouco diferente agora, pensou consigo, sentado à beira da cama e estendendo a mão para pegar uma surrada Bíblia no bolso da mochila. Esta crítica noite seria decisiva para o tratamento de sua amada criança. A equipe médica faria circular em suas veias uma medicação recém-chegada do exterior, uma substância que, apesar de estar em teste, era tida como tábua de salvação, já que todos os outros procedimentos até agora pareceram apenas paliativos.

Depois de um prolongado e merecido banho, sempre com a mente inquieta, tudo que esperava era uma mensagem no celular, mas precisava dormir. Parecia que o monstro do cansaço agora havia grudado em seus ombros e todo o corpo clamava por descanso. Entretanto, não o faria sem antes se ajoelhar ao lado da cama e tentar encontrar palavras para orar.

Nenhuma palavra fluía de seus lábios, pareciam ter se esgotado todos os seus clamores. Todavia, o marejar dos olhos aos poucos se tornou um copioso pequeno rio, percorrendo a face, umedecendo a barba por fazer. Não sabe por quanto tempo ficou ali, aos discretos prantos, meditando em um versículo que acabara de ler, até se ajeitar sobre o travesseiro e adormecer como pedra.

Acordou de madrugada com o corpo todo dolorido de quem dorme de mau jeito. A primeira atitude foi alcançar o celular sobre o criado mudo e buscar avidamente por uma mensagem da mulher. Nada. “Meu Deus”, disse entredentes, “…o Senhor sabe, eu coloquei tudo em Tuas mãos” — foi o que conseguiu balbuciar antes de adormecer novamente em soluços.

“Você precisa vir imediatamente ao hospital!”, foi a mensagem da enfermeira que lhe fez saltar da cama naquela vibrante manhã e voar para o centro da cidade, apreensivo como o que seria responsável por tal chamado! Quando entrou no quarto, o sol já inundava o ambiente com cortinas esvoaçantes, lençóis azul claro e vaso de flor sobre a mesinha do canto.

Seu rosto brilhou ainda mais ao contemplar sua filha, agora com nove anos de idade, embalando seu irmãozinho ao colo e sua esposa radiante ainda no leito, depois de um parto difícil.

Ao ver o sorriso expressivo da filha, sua mente voltou dois anos no tempo, naquele mesmo hospital, quando experimentou nas primeiras horas do amanhecer após aquela fatídica noite, algo que o marcaria para sempre: a certeza de que realmente, pela fé, o versículo que martelava sua mente naquela noite de desespero, havia novamente feito todo sentido: O choro pode durar uma noite inteira, mas a alegria vem pelo amanhecer”.

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