O manjar dos deuses de Deus

imagem: envato

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Havia uma época do ano em que a madame chegava em seu carrão e estacionava embaixo das frondosas árvores em frente à humilde casa. Sua presença ali, conversando com a mãe de dez filhos, era observada meio à distância, e celebrada em silêncio, pelo menos até ela ir embora levantando poeira da rua, que ainda demoraria décadas para conhecer o asfalto. Ela veio por alguns anos seguidos.

Dona Trindade era uma daquelas pessoas que todas as crianças amavam, generosa que só.  A casa humilde e sempre inacabada, sem luz elétrica, sem água encanada, às vezes com cortinas de chita no lugar das portas, parecia se iluminar com visitas assim, que tentavam amenizar um pouco a dureza daquelas vidas simples, na penosa labuta pela sobrevivência e acalento dos sonhos mais bonitos.

Quando, enfim, aqueles dez pequenos tesouros eram distribuídos, a reação de cada um dos meninos e meninas ia de contemplação a exultação, de ansiedade a euforia, mas, com certeza, com sentimento de gratidão. Eram chocolates. Um bombom era coisa raríssima por ali, um verdadeiro presente dos céus, de tão saboroso e tão desejado que era!

As pequenas barras vinham delicadamente embrulhadas em papel celofane e parecia que até aquele embrulho era especial, de tão colorido, cristalino e fascinante, em contraste com o ambiente de pobreza. Havia quem abria logo o pacote e devorava logo todo o conteúdo, havia quem escondia uma parte para só depois de muitos dias exibir o que ainda tinha, e havia quem apreciava cada naco devagar, sem pressa, sentindo a explosão do sabor na boca, fechando os olhos pra imaginar como seria bom se todos os tijolos visíveis da parede fossem assim feitos!

Coisa de criança, diriam alguns, coisa de criança muito pobre, diriam outros, coisa de criança com imaginação fértil, diriam os sonhadores. Guardar uma parte pros dias seguintes (muito bem escondida, até debaixo do travesseiro sob vigilância ostensiva) e ir devorando aos poucos aquela iguaria parecia ser o mais sensato. Cada embalagem esvaziada ganhava uma profunda inalada antes do descarte. Era como um ritual. Quando Dona Trindade cessou as visitas anuais, era uma saudade bem lembrada nas rodinhas de conversas em meio às estrepolias.

Há quem esfrie rapidamente o café na xícara e sorve tudo em um só gole. Há quem não tem paciência e logo quebra a bala nos dentes ao invés de gastar um tempo explorando seus açúcares, há quem queime os lábios no afã de acabar logo com a sopa, pra voltar pra correria. Todavia, há quem se demore degustando cada nuance da pastilha de hortelã, quem prefira uma colher bem pequena para o sorvete demorar a se acabar, quem explore as delícias de uma sobremesa saboreada pra gastar mais tempo à mesa da comunhão. Alguns são do time daqueles que um sabonete é apenas algo pra lavar a pele, outros, da turma que distingue cada fragrância, cada deslize sutil e macio pelo corpo.

Pra terminar a conversa, não dá pra esquecer aqueles que se demoram sentindo o cheiro dos cadernos, da borracha e da tinta guache na avidez pela volta às aulas, quanto para a maioria, além de ser tedioso, curtir essas coisas é falta do que fazer.

A Verdade seja dita: Até hoje a Trindade Divina nos presenteia com verdadeiros tesouros chamados milagres. Para muitos, são até imperceptíveis, mas para outros tantos, o que deveria ser regra e não exceção, acabam por devolver, na forma de louvor, a expressão da gratidão pelo oxigênio, pelos órgãos do sentido, pelo cuidado e, principalmente pelo alimento mais precioso: Jesus, a Palavra, o Pão da Vida!

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