O templo de pedras vivas

imagem: envato

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A doutrina da Igreja é de suma importância por ser a parte visível da teologia cristã e estar ligada vitalmente com todas as outras partes. A Igreja surge do Evangelho e possui como fundamento a obra de Cristo que opera para a sua estrutura, preservação e edificação constantes.

Para o povo cristão a Igreja é importante devido à relevância dela para Cristo. Cristo fundou a Igreja (ver Mateus 16:18), comprou-a com seu sangue (Atos 20:28), e se identifica intimamente com ela (Atos 9:4).

Além disso, a Bíblia a descreve como “o corpo de Cristo” (1 Coríntios 12:12; Efésios 1:22-23), habitação do seu Espírito (1 Coríntios 3:16-17) e como sendo a principal ferramenta usada por Deus para fazer a Sua glória ser conhecida e reconhecida no mundo (Efésios 3:10). A Igreja é a agência de Deus para levar o Evangelho a todos os povos, trazendo uma grande parcela de pessoas redimidas (Apocalipse 5:9).

Todavia, uma das características  mais marcantes na Igreja, de acordo com as descrições bíblicas, é o fato de que aquilo que acontece na individualidade, a conversão, “deságua”  no coletivo, ou seja, o passo individual que é a regeneração do coração humano, nos liga ao Corpo de Cristo, diretamente aos outros membros. Por conta disso, a Igreja é descrita como povo de Deus.

O apóstolo Pedro usou esse título em 1 Pedro 2:4-10, descrevendo que antes não éramos povo, mas agora somos povo de Deus (v.10). O povo que outrora é descrito como forasteiro (1.1), sem casa ou longe dela, agora é descrito como sendo e tem uma casa, uma família.

Além disso, nessa mesma passagem, Pedro descreve a Igreja como um “templo” formado por “pedras vivas”, tendo o próprio Cristo como a pedra angular (1 Pedro 2:4-6), ou seja, os cristãos são pedras vivas, porque se achegaram em fé até a Pedra que vive e que dá vida, que é Jesus Cristo. Entretanto, essa comunhão com Cristo é tão vigorosa que o texto diz que “sóis edificados casa espiritual” — “edificados” é um verbo no particípio, demonstrando que “vindo a Cristo, o cristão é continuamente edificado”.

A riqueza da descrição do apóstolo Pedro faz uma alusão ao Templo do Antigo Testamento que é comumente chamado de “casa” (2 Samuel 7:13; 1 Reis 3:2). Pedro claramente identifica a Igreja como o Novo Templo de Deus, mas como uma significativa diferença: se no antigo templo as pedras eram mortas, agora ele é formado por pedras que vivem. Essa metáfora mostra que “pedras vivas” reunidas formam a Igreja, a casa espiritual de Deus. A comunhão entre a Pedra Viva e as pedras vivas (Igreja), as une a Deus. A relação com Deus não é mais de separação, mas de livre acesso, de comunhão, de vida.

Contudo, a Igreja, “casa espiritual” é edificada com um propósito: “serdes sacerdócio santo” (um corpo constituído de sacerdotes). Segundo Pedro, todos os cristãos são sacerdotes e não apenas um grupo selecionado de pessoas como era visto no Antigo Testamento. Naquela época, apenas descendentes de Levi podiam se achegar a Deus oferecendo sacrifícios em seu altar.

Perceba que Pedro nos fala de um privilégio estendido a todas as “pedras vivas”, o fato de serem “sacerdotes de Deus”. A distinção entre o serviço dos sacerdotes do AT e dos sacerdotes cristãos é que agora os cristãos não oferecem mais sacrifícios de animais, porém, sacrifícios espirituais. Então veja, caro leitor, que se no AT a principal tarefa do sacerdote era oferecer sacrifícios, isso continua a descrever a tarefa das “pedras vivas” que formam a Igreja.

No entanto, de acordo com o apóstolo Pedro, esse serviço sacerdotal deve ser exercido através de Jesus Cristo, pois somente através dele os cristãos são qualificados para serem sacerdotes de Deus. Os sacrifícios espirituais agradáveis a Deus só são agradáveis através da mediação de Cristo. Podemos entrar na presença de Deus somente porque Cristo, nosso Sumo Sacerdote, ofereceu-se a Si mesmo como perfeito sacrifício e à destra de Deus intercede por nós. Hoje, cada cristão pode “com confiança aproximar-se do trono da graça” (Hebreus 4:16). Assim, porque a Pedra Viva, Jesus Cristo está vivo na glória, intercedendo por nós, é possível ministrarmos como sacerdotes santos.

Dito isso, precisamos dizer que nossa intenção era lhe mostrar que ao estudar a doutrina da Igreja, partindo de apenas um dos vários textos bíblicos sobre ela, somos levados a pensar em duas realidades aplicáveis ao nosso contexto de Igreja local: comunhão e serviço.

No aspecto da comunhão, as descrições do apóstolo Pedro sobre a Igreja nunca são de caráter individual, mas sempre comunitário. Somos sacerdotes juntos, servindo ao mesmo Sumo Sacerdote, ministrando no mesmo templo espiritual. Por isso, é preciso prosseguir na caminhada pessoal com Deus, mas não às custas de outros cristãos, ignorando ou negligenciando a comunhão com outros irmãos em Cristo. Logo, a igreja local é uma comunidade de intercessores, um sacerdócio de amigos que se ajudam, uma família em que as cargas são compartilhadas e suportadas mutuamente.

Em uma era de individualismo, em que as pessoas são extremamente umbilicais, na Igreja desenvolvemos o ideal “cum panis” (palavra latina para companheiro). O ideal “cum panis” é aplicável a ideia de alguém que você confia o suficiente para se assentar à mesa e dividir o pão. Nossa comunhão não deve ser demonstrada apenas nos cultos, mas em cada faceta da nossa vida (no dividir o pão, nas lágrimas de dor, nas conquistas – não tem nenhuma faceta do cristão que não diga respeito a totalidade do Corpo de Cristo – somos todos “pedras vivas” e fazemos parte do mesmo templo).

Quanto ao serviço, Pedro é enfático ao relatar que somos transformados em “pedras vivas” para sermos “sacerdotes” que oferecem sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus por meio de Cristo. Devemos, como Cristo, ser o ofertante e a própria oferta, ou seja, oferecer nosso corpo a ele como sacrifício vivo (Romanos 12:1-2), bem como o louvor de nossos lábios (Hebreus 13:15) e as boas obras que realizamos em favor de outros (Hebreus 13:16). Como sacerdócio real servimos aos outros, tanto aos da família da fé quanto àqueles que não fazem parte da família da fé. Aquilo que compartilhamos com os outros é visto como uma oferta que oferecemos a Deus.

Compreenda que essa dimensão do serviço tem uma relação com a abnegação. Essa palavra, em uma época em que gostamos de ser servidos e satisfeitos, soa até como um palavrão. Mas para o cristão, como dizia A.W.Tozer, “há uma doce teologia do coração que só se aprende na escola da renúncia”. Como sacerdotes, no que diz respeito ao Corpo de Cristo, devemos dar não apenas os nossos recursos, mas nós mesmos, sacrificando os nossos próprios desejos pelo bem dos outros.

Dessa forma, que você entenda que esse “templo de Pedras Vivas” é edificado por Jesus Cristo, para que possamos viver em comunhão servil e sacrificial, não apenas quando reunidos em nome e por meio de Cristo, mas em todos os momentos e situações que as “pedras vivas” vivenciarem.

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