Os problemas da automedicação

O Brasil detém o recorde do país onde mais se consome remédios por conta própria, sem a indicação ou avaliação de um profissional habilitado para a sua prescrição e supervisão. Cerca de 72% dos brasileiros se automedicam, de acordo com dados do Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade. Dentro deste contingente, encontram-se quase vinte mil mortes pelo uso inadequado das medicações. Por sua vez, pelo menos um norte-americano morre por dia, vítima dos efeitos indesejados de uma substância má administrada, e aproximadamente 1,3 milhão sofrem algum tipo de agravo à saúde provocado pelo emprego inadequado de um fármaco.

Estes números assustam e dimensionam a importância do problema. Entretanto, a facilidade de informações médicas pela internet, a disponibilidade quase sem nenhum entrave de se adquirir um remédio em qualquer farmácia e, por outro lado, a via-crúcis para se conseguir uma consulta médica pelo sistema público de saúde, fazem com que mais e mais brasileiros se valham deste expediente para se tratarem, desde uma simples dor de cabeça até a mais desafiadora lesão de pele ou um ameaçador desconforto no peito.

A razão pela qual existe tanta preocupação, inclusive por parte da Organização Mundial da Saúde, envolve o desenvolvimento de germes resistentes aos antimicrobianos utilizados por doses, durações e quadros clínicos inapropriados; o elevado número de intoxicações, representando os medicamentos aproximadamente 40% das consultas nos centros especializados; a dependência criada a partir de princípios ativos, que atuam no sistema nervoso, como calmantes, analgésicos e anti-depressivos; e a assombrosa quantia de 42 bilhões de dólares gasta para custear os problemas decorrentes da utilização errônea do medicamento.

A título de exemplo, citam-se alguns medicamentos para emagrecer, os corticóides e os anticoagulantes orais. Na procura do corpo perfeito, muitos buscam fórmulas milagrosas de perda de peso, das quais uma bastante famosa é a Sibutramina. Quando bem indicada, é sim uma opção muito útil e eficaz.

Torna-se um transtorno quando, numa situação bem frequente, por exemplo, uma tia de sessenta anos vê o sucesso de emagrecimento da sobrinha de dezesseis anos e pede a ela as cápsulas que sobraram. Esta senhora não fez uma avaliação cardiológica, não sabe que tem problemas nas artérias cerebrais e coronarianas e passa a tomar sem o escrutínio de um profissional habilitado. O remédio pode deixar a boca seca, aumentar a pressão arterial e elevar os batimentos cardíacos, predispondo-a a um ataque cardíaco ou a um derrame cerebral.

O grupo de corticóides oferece um alento rápido, efetivo e providencial. Os pacientes, infelizmente, não aproveitam esta fase para iniciar medidas analgésicas não farmacológicas, tais como Acupuntura, Pilates, Reeducação Postural Global e outras técnicas fisioterápicas, e passam a depender cotidianamente da Prednisona ou algum similar, levando à hipertensão arterial, à diabetes mellitus, à osteoporose e a toda sorte de distúrbio degenerativo.

Por último, uma experiência pessoal remete a um paciente atendido no Hospital das Clínicas no tempo de Residência Médica, que pediu uma medicação para melhorar a circulação para uma balconista de farmácia, sendo oferecido a Femprocumona, um anticoagulante oral. Seu efeito inicial paradoxalmente provoca trombose e este indivíduo internou-se no pronto-socorro justamente por inúmeros focos cutâneos desta anormalidade.

Portanto, recomenda-se o uso cauteloso e supervisionado dos remédios. Como o próprio nome diz, lida-se com drogas que, se bem indicadas, são essenciais para diversos tratamentos médicos. Do contrário, podem levar até a morte.

Dr. João Marcelo Cavalcante Kluthcouski

Médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás, com residência em clínica médica e cardiologia pela mesma instituição. Membro do corpo clínico do Hospital das Clínicas de Goiânia e da Clínica Cardioprime

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