Um ano que acaba, outro que começa e, na maioria das vezes, nada vai além de uma mudança de calendário e nem sempre de mente ou atitude. Não, esta não é uma reflexão sobre planos futuros, novas promessas clichês e jargões que abarrotam nossas caixas de e-mail e grupos de conversa. É uma conversa sobre gratidão pelo que passou, pelas conquistas ainda que pequenas em tempos difíceis. Às vezes sou levado a pensar que nossa ansiedade quase frenética de projetar o futuro a cada fim de ano pode estar ligado a um sentimento muito recorrente: a dificuldade de contabilizar ganhos, de contar bênçãos e de estabelecer marcos de vitória na memória. Vamos recapitular: entramos no ano novo com saúde, os filhos foram bem na escola, alguns se formaram na faculdade, foi mais um ano de prestações pagas, emprego mantido em tempo de demissões… Bem, esta pode não ser a realidade de alguns em um ou outro detalhe, mas é certamente da maioria. O fato é que temos muito mais facilidade em lamentar pelo que falta, do que agradecer por aquilo que já temos. Quer um exemplo? Quando alguém está construindo uma casa, raramente conta com entusiasmo que já fez o alicerce, as paredes e já colocou o telhado. Normalmente, olha pra construção e só lamenta pelo que ainda falta para ficar pronta.
Coisa difícil conviver é com pessoas ingratas, principalmente no convívio familiar, que muito recebem e sequer reconhecem. Agem como se as pessoas ao seu redor tivessem a obrigação de servi-las ou que o mundo vive inventando meios de prejudicá-las. Goethe, escritor e estadista alemão, disse que ingratidão é uma forma de fraqueza e que jamais conheceu homem de valor que fosse ingrato. Miguel de Cervantes, por sua vez, costumava dizer que a ingratidão é filha da soberba. Sou muito tentado a concordar com eles. Talvez não sejamos necessariamente ingratos por natureza, mas o hábito de murmurar e lamentar em quase toda situação, pode nos levar a um sentimento de autopiedade ou contínua descompensação emocional, como se vivêssemos em contínua desvantagem em relação aos outros.
As celebrações de ações de graças são cada vez mais raras na sociedade moderna. Agradecer pelo básico da vida ou pelas pequenas conquistas se tornou sinônimo de acomodação, de estagnação ou letargia. Muito comum ver a simplicidade dando lugar à ostentação. Ninguém discorda que vislumbrar o futuro, buscar melhoria das condições de vida ou mesmo desejar riquezas sejam algo desaconselhável. Pelo contrário. O problema é quando nosso coração é dominado pela insatisfação ou pela ambição, corremos um sério risco de nos corromper, de sufocarmos a alegria dos pequenos começos, como a deliciosa comemoração interior pela vitória alcançada, pela dívida quitada, pelos resultados da dieta, por rever a família, pela comunhão na igreja…
A Bíblia nos ensina a bendizer ao Senhor e não nos esquecermos de um só de seus benefícios (Salmo 103:2). Em tempos de protestos, reivindicações e insatisfações gerais, como cristãos e cidadãos dos céus com os olhos na eternidade, precisamos reaprender a agradecer de coração, a contabilizar e compartilhar as bênçãos e reaquecer nossa alma com as memórias daquilo que nos traz esperança. Feliz Ano Novo, gratos por todas as bênçãos recebidas no Ano Velho. Deus seja louvado!
Anibal Filho é Doutor em Produção Vegetal pela UFG e Pastor auxiliar da Igreja Batista Renascer.