Reflexões de um bebê feliz

imagem: envato

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Eu não acredito que ela vai me deixar de novo nesse cercadinho com telas de nylon! Hoje eu não vou reclamar, porque ganhei uns brinquedinhos novos de borracha que posso até morder e um pandeirinho amarelo que posso fazer o barulho que quiser. Quem trouxe foi um senhor de barba branca que vive insistindo que eu, um bebê de seis meses, o chame de vovô, mas tudo que consigo é usar uma vogal. Quando preciso, uso essa vogal com extensão curta para fazer parecer uma conversa ou longa quando quero fazer uma draminha. Sempre funciona! Aquela que reconheço como minha mãe, porque saí dela e vivo grudado no seu peito, acha que são palavras, mas são apenas tentativas de me comunicar. Ela parece me entender, porque dizem que mãe tem sexto sentido, o que eu não faço a mínima ideia do que seja!

Ficar preso nesse cercadinho tem seu lado positivo, quando eles o colocam numa posição estratégica, de onde posso ver tudo acontecer. Sou trazido pra cá de manhã cedinho, depois que meu irmãozinho sai por aquela porta a caminho da escola com sua mochila, uniforme, cabelo penteado e já fazendo suas esquisitices. Claro, eu só venho pra cá depois de me refestelar no colo da senhora minha mãe e sugar, mais uma vez, parte de suas energias do dia. O papai eu só vou rever no início da tarde, quando chega com aquele cabelo ainda impecável e sempre bem vestido, bem diferente de quando fica em casa de bermuda, sem camisa e com aquele chinelo ridículo de borracha, que mais parece meu sapinho de brinquedo.

Daqui posso ver a pia e a geladeira, até aquela cadeirinha alta que fica ao lado da mesa, onde estou descobrindo cores e sabores. Na verdade, tudo que vem no pratinho é colorido, mas às vezes os sabores são bem estranhos. Outro dia aquele senhor barbudo que parece se chamar Vovô aproximou da minha boca um pedaço de uma fruta de casca amarela e recheio branco delicioso. Até segurei aquela mão gigante com minha mãozinha pra continuar sorvendo aquilo. Que delícia!

Sempre vejo a mamãe ligar a televisão para meu maninho assistir umas coisas estranhas, coloridas, com música vibrante e rápida. Será que aquela pancada que o rato deu no gato não dói? Como alguém pode rir de alguém apanhar? Ele parece se divertir com isso, mas acho tudo muito esquisito. Ainda bem que nasci um bebê e não um rato malvado ou um gato bobalhão!

Daqui desse espaço que eles chama de chiqueirinho (um dia vou descobrir porque não gosto desse nome), fico observando o papai de costas, sentado numa poltrona e mexendo numa máquina que parece uma televisão, mas menor. Mas, do nada, ele se levanta com cara de preocupado, dá meia volta, pega uma pasta e some porta afora. Agora só vou vê-lo à noite, quando ele retorna com cara de cansado. Eu hein? Quando eu crescer, nem quero saber do que eles chamam de trabalho! Deve ser uma tortura porque ele chega detonado! Tento ajudar. Basta abrir um sorrisinho e ensaiar uma dancinha desajeitada que ele se derrete todo e logo parece esquecer o cansaço. Meu irmãozinho, por sua vez, deve aprender a brincar de ser palhaço na tal escola, porque, quando ele volta de lá, faz tantas caras, bocas e peraltices pra mim que até aprendi a gargalhar!

O cãozinho peludo atrai muito minha atenção sempre que passa e desaparece porta afora. Onde vive? O que come? Não vai demorar muito e vou conseguir esticar meu bracinho e acariciá-lo!

Tem uma senhora que chega, me tira daqui por um tempo, me pega no colo e me chama de “neném gotoso da vovó”. Gosto de tentar morder o queixo dela e deixar babado, mas acho que ela não vai mais permitir depois que meus dentinhos apontarem, o que não vai demorar. Aliás, essa coisa de vovô e vovó me deixa confuso, porque tem mais gente que diz ter esses mesmos nomes!

Eu não entendo muita coisa do mundo nem da vida, mas nem me preocupo. Quando tenho fome, tenho leite, frutinhas e verdurinhas. Quando mamãe percebe que estou meio quentinho e tossindo de leve, ela me alimenta com um líquido doce, vermelho e delicioso na colher. Quando me sinto incomodado e desconfortável com algo sobrando nas fraldas, eles cuidam logo de trocar, quando não me levam direto para uma aventura maravilhosa chamada banho. O que importa é que já descobri como dar meus sinais e os adultos já aprenderam a interpretá-los!

Uma coisa eu percebi, todos eles, menos o cachorro, falam muito de uma pessoa chamada Deus e de um certo Jesus. Quando todo mundo está na mesa eles fecham os olhos e parecem falar com essas pessoas invisíveis, mas pelo jeito, bem reais. Até meu irmãozinho de quatro anos já aprendeu a fazer isso na mesa da refeição! Me parece que é esse tal Deus quem cuida deles, como eles cuidam de mim. O outro, Jesus, deve ser bem importante, porque estão sempre falando dele!

Bem, vou ter que parar por aqui porque a linda mulher chamada Mamãe está vindo pro meu lado sorrindo e com os braços estendidos. Não sei o que vai acontecer, mas confio que deve ser coisa boa, igual quando eles falam que Deus sempre estende as mãos pra fazer algo bom pra eles.

Eu só sei que, com o tempo, vou aprender muita coisa. De todas elas, vou querer aprender mais sobre esse tal Deus e confiar n’Ele também. Ainda não sei nada da vida e do mundo, mas de uma coisa eu já tenho certeza: posso viver um dia atrás do outro sem me preocupar, pois sempre haverá alguém cuidando de mim!

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