Sem tempo para não ter tempo

Não é preciso ser o mais atento dos seres humanos para ter presenciado as palavras “eu não tenho tempo” invadindo com toda pressa e confiança a conversa de alguém. Já cansados de repetir a mesma frase por tantas vezes, geralmente é possível até reparar no olhar um tanto desesperado e uma feição descontente na expressão de quem se acostumou a repetir essa frase quase que como um mantra automático.

Realmente, estamos sem tempo. Mas isso não nos impede de não termos tempo para não ter tempo — e aqui entra uma das razões para o nosso esgotamento físico, emocional e até mesmo espiritual.

Desde pequena, sempre gostei de “gastar” o meu tempo com coisas que me faziam sentir que cada segundo estava valendo a pena. Sendo assim, se eu sentisse que estava ficando para trás na tão adorada habilidade de fazer coisas úteis e dignas de encherem minha rotina ainda que de criança, não iria demorar para precisar lidar com os sentimentos de inferioridade, insegurança e aquela agitação interna que tantos conhecem ou, para simplificar, o famoso coração acelerado. Não demorei para conhecer a ansiedade.

Por que começar esse texto relembrando a minha versão de nem tanto tempo atrás? Justamente por ser um bom exemplo para enxergarmos a dura realidade das “novas gerações”, título dessa coluna. Posso arriscar dizer que com praticamente todas as amigas de faixas etárias parecidas com a minha, já apareceram — as vezes semanalmente — os dilemas ligados a essa amedrontadora sensação de estar perdendo tempo, da mente exausta diante das dúvidas e intermináveis listas de tarefas, além da constante comparação com tantos feeds que parecem refletir seus “donos” organizados e produtivos.

Não temos tempo, mas também temos medo de dizer não, assim que uma nova “missão” aparece diante de nós. Nos recusamos a abrir “apenas” uma aba do navegador porque, imagine só, não podemos nos dar ao luxo de fazer somente uma única coisa por vez. Longe disso, nós nos mantemos firmemente convictas do “mito das multitarefas”, ou seja, daquela ideia de que realmente conseguimos fazer mais de uma coisa por vez. Se alguém disser o contrário, exibiremos as nossas listas de tarefas feitas e começaremos a nos gloriar sobre o número de projetos que temos em andamento.

Do mesmo modo, diminuímos o volume dos ruídos intermináveis que rondam os nossos pensamentos, disfarçamos a sensação de aperto no peito quando achamos que não seremos valorizados e minimizamos o impacto que toda essa maratona pela produtividade pode deixar inclusive nos relacionamentos com quem mais amamos.

O nosso foco é prejudicado, assim como a nossa memória, afinal, por mais que gostemos de pensar que sim, não somos como máquinas. Temos um limite para ser “armazenado” e ainda que uma lista de projetos faça sentido para aqueles que sonham em projetar futuros possíveis, não devemos pagar o preço se esse for perder o presente.

A dura realidade — principalmente para as gerações que agora estão acostumadas a serem validadas a todo instante, seguindo métricas de números de visualizações, curtidas e reações — é que gostamos da falsa ilusão das agendas cheias. Às vezes, até preferimos o barulho ensurdecedor das tarefas pendentes e das abas abertas, a precisar encarar o monótono e intimidador silêncio de nossos próprios pensamentos. Se não somos o que produzimos, então iremos precisar encarar algumas perguntas difíceis.

A ciência nos confronta — em pesquisa que acompanhou milhares de voluntários por mais de 20 anos e divulgada em 2022, foi constatado que adultos acima de 50 anos que passaram suas vidas dormindo menos que cinco horas, apresentaram um risco 30% maior de desenvolver doenças crônicas como diabetes, câncer, depressão, doenças cardiovasculares e uma série de outros malefícios.

No ritmo em que estamos, como estarão os jovens de hoje que — em um piscar de olhos — também chegarão à casa dos 50? Será que, ao chegarmos nessa idade, estaremos orgulhosos por termos passado uma vida dizendo “sim” para quase tudo e todos, comprometendo horas de sono e incapazes de ter momentos de foco e descanso?

Não temos como prever, mas acredito que um bom primeiro passo é assumir o centro de nossas escolhas, sendo capazes de dizer que sim, não temos todo o tempo disponível e com o que temos, iremos escolher preenchê-lo com cuidado e sabedoria. O descanso não é improdutivo e — como eu gostaria de dizer para a criança e adolescente que tinha medo de não fazer o bastante — o relógio não é o nosso inimigo.

Jéssica Lima

Formada em Jornalismo, atua como revisora editorial, produtora de conteúdo para redes sociais e atua como jornalista na equipe editorial da Revista Renascer.

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