Um homem de meia idade, já grisalho, poda a sua goiabeira rente ao muro, sobre o qual há pouco lançou um olhar perdido, como se tentasse ver mais longe. Sua mente vagueia saudosista pelo passado, quando poucas casas emergiam do resto de campina verde nos arredores da cidade. Hoje, quando olha por sobre o mesmo muro, é como se recebesse um soco no olhar vindo da parede da casa ao lado, que eclipsou toda a sua visão de outrora, num quarteirão hoje pontilhado de construções e prédios, sobrados e lojas.
A lembrança da convivência de sua casa com campinhos de futebol de terra batida, trilhas e árvores esparsas do cerrado ficou cravada em algum lugar remoto do passado, quando a cidade estava se expandindo vagarosamente. Naquele tempo, todos os vizinhos se conheciam, chamavam os filhos pelos nomes, faziam circular pratos de pamonhas, fornadas de pães de queijo e litros de pequis. Hoje, confinados entre seus muros altos, habitam vizinhos ilustres desconhecidos, com quem sua quase única interação é a reclamação de latidos de cães ou de volume alto de som, naqueles dias em que alguém resolve que a quadra inteira deve ouvir suas músicas de gosto duvidoso.
O corte seco da tesoura de poda bem que poderia simbolizar os laços que foram se cortando aos poucos com todo o entorno, fazendo sua casa se isolar até das rajadas de vento que traziam poeira de longe. Hoje parece que até os densos pingos de chuva são consumidos pelos arredores, pois não existe mais horizonte que se enxergue pelo muro, quando parecia que uma cortina branco-azulada descia das nuvens negras se aproximava até lavar todo telhado e encharcar o quintal.
O próprio quintal, por sua vez, foi se reduzindo com o tempo, à medida que loteamentos substituíram os ralos matagais que cercavam a casa. Hoje, a goiabeira, a jabuticabeira e pequenas frutíferas disputam o pequeno espaço com vasos de flores, folhagens e hortaliças rasteiras.
Na pausa para o descanso, ele se assenta na varanda, tira o smartphone do bolso, rolando a tela devagar. Um toque apenas e já ouve a voz de quem está no exterior, num áudio gravado há poucos minutos. Outro toque e já se informa sobre um terremoto catastrófico no outro lado do mundo, que ocorreu há algumas horas atrás. Tudo parece tão perto, tão urgente, tão veloz, mas ele sequer sabe o nome dos vizinhos, nada sabe sobre suas rotinas, a não ser do momento da saída e chegada dos automóveis, pelo ranger do portão eletrônico.
No fundo, ele pensa que a tecnologia o aproxima das pessoas. As chamadas de vídeo, as conversas instantâneas, as fotos disponíveis nas redes sociais dando conta de cada momento, parece mesmo um milagre, impensável décadas atrás, pensa consigo.
Sim, impensável no tempo em que ele caminhava para visitar os vizinhos, no tempo que trocava calorosos abraços e apertos de mão ou aguardava ansioso as cartas do correio trazendo as últimas notícias e fotos reveladas dos parentes distantes. No tempo em que conseguia enxergar além do muro e contemplar o sol se pondo ou a lua nascendo por detrás das laranjeiras e mangueiras carregadas dos quintais adjacentes, quando a vida parecia ser mais orgânica e vibrante.
Uma coisa, porém, nunca vai mudar, ele racionaliza: Deus fez a vida pulsar através da natureza e o homem é a coroa dessa criação. Cabe a ele transitar pela vida, pela modernidade e pelo tempo sem esquecer de olhar para além dos muros que constrói à sua própria volta, para que não seja impedido de cumprir a sua missão de amar e servir em todo tempo e lugar.