Início esse testemunho já me desculpando com você, caro leitor, por deixar os seus neurônios um pouco atordoados após ler o título deste texto. Afinal, entender o significado de um coração “bater” no céu é, no mínimo, complexo. Compreender de forma íntegra o sentido da maternidade já exige de nós renúncia, amor, fé e disciplina. Compreender pode ser ainda mais complexo quando tratamos da grandiosidade de gerar e cuidar de filhos atípicos.
Atípico, é tudo aquilo que é diferente do senso comum, sendo que hoje o termo tem sido bastante utilizado para mães ou filhos que possuem doenças ou síndromes raras. No meu caso, temporariamente atípica, não porque meu filho foi morar no céu, mas, porque toda a nossa família cria na cura terrena do câncer que acometeu o nosso Luigi.
Aos 4 meses de vida, nosso lindo bebê tinha crises de choro prolongadas e desconcertantes, e por mais cuidadosos e experientes que fôssemos como família, achávamos que se tratava da famosa cólica do recém-nascido. Ainda assim, o meu coração de mãe e claro, o Espírito Santo, não me deixaram enganada, e começamos a buscar outros médicos, além da pediatra que o atendia mensalmente.
Após passarmos por pediatra, gastropediatra e pneumopediatra particulares que de NADA diagnosticaram nosso filho, decidimos sair da “neura” que todo conselheiro de plantão gosta de rotular os pais excessivamente cautelosos.
Decidimos então a passar um final de semana agradável no interior do estado, e quando a tarde de domingo estava findando, ele voltou a chorar de maneira incontrolável, foi quando decidimos que não sairíamos do hospital sem um diagnóstico e solução, de uma vez por todas.
Mediquei nosso pequeno e voltamos para Goiânia, chegando aqui a dor cessou, e ele conseguiu dormir bem naquela noite. Na manhã seguinte, fomos para a emergência do hospital. No calor do momento, nossas mentes estavam tão desnorteadas que fomos parar no centro clínico, que atende consultas eletivas, bem de frente com um médico experiente e certeiro, que diagnosticou meu filho assim que olhou para ele, porém, não nos falou nada.
Para não nos assustar, ele argumentou que o internaria para que fizesse todo tipo de exame capaz de tirar do meu coração o que estava me afligindo.
E assim, no dia 15 de janeiro de 2021, recebemos a pior notícia de nossas vidas: um câncer em estádio terminal IV, raro e muito agressivo havia escolhido o nosso bebezinho, sem herança genética, nem padrão de amplificação de gene. O Neuroblastoma atualmente está entre o segundo câncer mais comum entre crianças, logo após a Leucemia. E ainda assim, nós pais, pouco ouvimos falar e não somos atentos aos sintomas. Depois de ter um filho em tratamento, você descobre quão grande é esse “mundo”.
Nosso Luigi foi privilegiado nessa terra, pois diante dessa doença tão terrível, ele foi a maior personificação do amor de Deus para conosco nesses últimos tempos. É praticamente impossível ter lembranças dele sem um sorriso no rosto. Deus providenciava, sem grandes esforços de nossa parte, maneiras para que ele fosse mimado, tratado e muito feliz durante a curta e grandiosa caminhada dele nesta terra.
Deus cuidou da nossa família de maneira tão especial, que durante o início do tratamento em janeiro de 2021, ainda que o “chão tivesse aberto diante dos nossos olhos”, nós pudemos ouvir a voz de d’Ele de maneira sublime e clara aos nossos ouvidos. Eu senti ali que era o meu novo propósito de vida, e me dediquei a estudar sobre a doença.
Todas as consultas que o Luigi passava eram demoradas, porque os médicos além de dar os diagnósticos, precisavam me explicar devagar os termos, tratamento e possibilidades para fazer sempre além do que o hospital podia oferecer para o nosso filho. Eu me propus a fazer TUDO que estivesse ao meu alcance para que meu filho pudesse desfrutar da vida, dia após dia.
Assim, comemoramos todos os mêsversários dele até os 8 meses no hospital, até que o Senhor nos concedeu a cura e pudemos passar os 2 melhores meses da nossa vida em casa. Depois disso, o câncer voltou e dessa vez, ainda mais forte. Foi aí que tivemos que partir para São Paulo, um período ainda mais difícil. Estar longe da família e do meu esposo que precisava trabalhar, em um local desconhecido, com muitas histórias de dor por todos os lados, mexia muito com a gente, mas, o que mais nos doía, era a hora de nos separarmos.
Luigi desafiou a medicina por várias e várias vezes, algumas médicas diziam que: para entender o caso dele, era necessário estar com o livro de medicina na mão, e entre os 1% de tudo que acontecia com os outros, talvez encontrassem informações sobre o caso dele.
Entre os diagnósticos recebidos nas internações, alguns foram: Neuroblastoma Metastático IV, com incidências no abdômen (adrenal esquerda e direita), fígado, ossos, crânio e das células da medula, 76% eram atípicas antes das quimioterapias. Além disso, pneumonia fúngica por duas vezes, sepse (infecção generalizada), artrite séptica no quadril, seguido de osteomielite, o que o fez ter uma perna menor que a outra, e que o atrapalhava de andar, mas nunca o impediu. Tromboses em veias jugulares direita e esquerda, como também, coxofemoral esquerdo, que por esse motivo, me obrigavam a aplicar injeções em meu filho todos os dias.
Até o é o 8º mês de vida também lidava com a desnutrição. Além disso, celulite pré orbitária, infecções por gram positivo e negativos nos cateteres port a cath, duas vezes contaminado pela Covid-19, vírus sincicial, sinusite pós radioterapia, três cirurgias no crânio para remoção de tumores cerebrais e por fim, contaminação de 80% da medula espinhal.
A contaminação se espalhou, justamente em um local conhecido por ser a “fábrica do sangue”, praticamente impossível de ser tratado. Ele chegou a fazer radioterapia na coluna total, dose para 7 dias, mas uma delas não foi da vontade do Senhor.
Como mãe, a frase mais difícil de ser dita até hoje: “Não foi da vontade de Deus curá-lo aqui”. Na verdade, eu sempre soube que haveria essa possibilidade, mas eu jamais quis acreditar que aconteceria o que não gostaríamos.
Mas, o Senhor veio ao meu encontro e me deu mais uma porção de sabedoria, para ao invés de murmurar, agradecer pela oportunidade de me despedir do meu filho. E assim, passamos os 3 últimos dias de sua pequena e valiosa vida: juntinhos, abraçados e cheios de amor e carinho.
Após 9 meses desde que tudo isso passou, me sinto grata e honrada por ter sido mãe de um ser tão amoroso e alegre. Alguém sem pecado, cuja missão foi difícil, mas, rapidamente cumprida. Eu simplesmente me sentia uma heroína sendo mãe de um menino tão forte, especial e cheio de Deus. Nós o presenciamos ao falar em línguas e glorificar a Deus, sem termos ensinado nada. Vimos ele sorrir, quando havia acabado de vomitar por estar tomando medicações terrivelmente fortes ou por acabar de ser furado incontáveis vezes. Qual descrição poderia eu dar diante de momentos como esse, se não o cuidado de Deus?
Hoje, eu partilho do mesmo Espírito que consolou a pastora Eyshila, a terapeuta Mariane Ferreira, a pastora Bárbara Calembo e várias outras mães que entregaram os seus filhos a Deus, mas não perderam os seus propósitos. Não há explicação, não há remédio, mas, há decisão para permanecer em Cristo e esperar que no mais, Ele fará.
Agradeço todos os dias a Deus pelo propósito que Ele me deu. Ao meu esposo que me deu condições para ser totalmente mãe, sem me preocupar com o resto. Agradeço a minha família pela força e amor de todos os dias, a família do meu esposo, amigos, conhecidos e desconhecidos que oraram por nós. Quero também agradecer a toda a Igreja Batista Renascer, representada pelo pastor João Queiroz e à pastora Irislene, pelas constantes orações de resiliência e consolo nos momentos mais difíceis.
Deus abençoe a vida de cada um!