Uma carona pro céu…

imagem: envato

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As nuvens já anunciavam uma tempestade no início da noite e os raios e trovões demonstravam sua força, quando o jovem percorreu quase três quilômetros de estrada poeirenta até chegar no trevo. Era uma cidadezinha no meio do nada, mas que se orgulhava do internato para rapazes nas suas cercanias, desses que abrigam meninos virando homens feitos, os quais sonhavam com uma profissão promissora.

Era final da década de setenta e ele só tinha dezesseis anos, porém com uma determinação de gente grande. Era uma sexta-feira, dia de voltar pra casa, que ficava noutra cidadezinha a quase trinta quilômetros dali. Sempre dependia de uma carona, pois era aluno carente, recebia tudo de graça para estudar, inclusive a moradia nos alojamentos durante a semana.

O manto negro da noite logo cobriu a imensidão do horizonte por trás das colinas distantes e cada carro que passava cobria de poeira o rapazinho que mais parecia uma estátua numa encruzilhada. As luzes da cidadela já se acendiam ao longe, mas não teria pouso ali, caso precisasse voltar. Era conseguir uma carona ou voltar para o internato, ficar o fim de semana longe de casa, se juntando aos amigos que vieram de muito longe e só iam pra casa nas férias de fim do ano.

Os faróis se aproximavam e passavam direto, ignorando um braço estendido e um polegar indicando o destino para onde gostaria de ir. Quem pararia àquela hora? Ele lembrava das histórias de violência envolvendo caroneiros e lamentava não ter tido dinheiro suficiente para uma passagem de ônibus, o último do dia, que passou no cair da tarde.

O tempo passava e os carros também. Quando brotava um par de faróis na curva distante, brotava também a esperança. Ele olhava pro céu e admirava os raios cortando as densas nuvens escuras como se quisessem iluminar os pastos, as cercas de arame e os riachos. Cobria os olhos a cada carro que serpenteava por aquela estrada, pois a nuvem de poeira era implacável. Vieram as preocupações. O jeito era fazer uma prece. Quem sabe o Deus da religião era mesmo real e ouvia clamores de jovens amedrontados?

A oração desajeitada e quase irreverente não demorou a vir à boca, à medida que aumentava a preocupação de estar ali sozinho, à noite, longe de tudo e de todos, exposto ao perigo de ser confundido com um bandido à espreita.

“Deus, por favor, assopre no ouvido de um desses motoristas que não sou um marginal, que apenas estou sem dinheiro e preciso ir pra casa”, disse com voz embargada. Passa um carro, dois, três, o braço se estende e se recolhe. De repente, um deles para a umas dezenas de metros à frente, a nuvem de poeira o alcança e se dissipa lentamente. Marcha ré. Apreensão. O bandido não era ele, mas bem que poderia estar motorizado, pensou.

De repente, a porta do sedan é aberta e o motorista se esgueira e pergunta: “Vai pra onde, rapaz?”. Em poucos minutos, já dentro do carro no banco do passageiro, respira aliviado e o silêncio reina. O condutor sisudo com olhos fixos na estrada diz entredentes: “Não costumo parar, ainda mais a esta hora da noite. Te vi com o braço estendido, mas não dei importância, mas me senti incomodado com um forte pensamento: Não posso deixar esse garoto na beira da estrada! O pobre não tem cara de bandido e de repente só precisa voltar para a casa!”.

Um frio lhe percorreu a espinha. Uma lágrima silenciosa e tímida marejou seus olhos. Foi Deus. Não existe outra explicação. Apenas uma frase conseguiu escapar de seus lábios: “Fico muito agradecido, de verdade!”.

A viagem não demorou muito. Antes de se aconchegar na cama quentinha escutando a chuva que finalmente desabou sobre o telhado, não conseguiu dormir enquanto não agradeceu com profunda sinceridade. Foi assim, que um processo começava — a chamada conversão.

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