Se não é sobre ovos e coelhos, é sobre o que?

imagem: envato

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A Páscoa começou pra mim na escola, quando um coelho feito de cartolina branca com dentes gigantes e orelhas ainda mais exageradas, trazia um bombom grampeado na barriga. Depois vieram os ovos, mas eu nunca me preocupava com a conexão entre as duas coisas, até porque eu sabia que coelhos não punham ovos, mesmo que os desenhos das cestas recheadas fossem desenhados junto aos leporídeos.

Tudo era muito aglomerado na minha cabeça: a abstenção de carne, as folhagens de coqueiro de jardim no domingo, a proibição de cantar ou cuidar da casa na sexta-feira, os bonecos espancados e queimados nas noites de sábado, enquanto havia bailes nos clubes da cidade, coisa que também nunca entendi, afinal ainda nem era hora de comemorar a ressurreição. Os filmes da sessão da tarde eram sempre os mesmos todos os anos durante aquela semana, culminando com os clássicos sobre Jesus. Páscoa para mim era isso, nada mais que uma sequência de ritos e costumes, com uma simbologia estranha e significado confuso.

Entender que a Páscoa foi instituída na cultura judaica como celebração da saída dos hebreus do Egito foi mais tarde. Saber da “cristianização” de costumes pagãos nórdicos e festas místicas dos povos celtas, assim como foi o Natal, foi mais tarde ainda. Parece que a máxima “se não pode vencer o inimigo, una-se a ele” foi invariavelmente aplicada no trato com cultura germânica, por exemplo, por ocasião da conversão dos bárbaros. No que refere aos ovos e coelhos, as configurações de culto à fertilidade foram atualizadas com sucesso.

Hoje, é praticamente impossível ser indiferente ao festejo, no sentido de querer torná-lo imperceptível. No meu caso por exemplo, muitas vezes preciso me curvar para atravessar alguns corredores de supermercados abarrotados de ovos que mais lembram um parreiral com frutos gigantes. Há que se pensar numa forma de tornar o evento significativo, de algum modo.

Particularmente, gosto de pensar no que a primeira páscoa representou para os judeus, ainda mais neste momento, quando as pessoas se recolhem em casa. Foi assim também naquela fatídica noite em que o sangue do cordeiro foi aspergido nas vergas e nos umbrais das portas para que o mal passasse de largo. As ervas amargas da ceia bem podem hoje simbolizar a angústia de assistirmos, mesmo reclusos, à praga se alastrando lá fora.

Páscoa sempre foi sobre sacrifício, sobre passagem, mesmo que após o mar vermelho viesse o deserto, mesmo que depois do deserto viesse a terra prometida que teria que ser conquistada. Páscoa é sobre luta, mas também é sobre confiança no poder de Deus, o mesmo Deus que, ao prometer a terra de descanso e liberdade, conduziu em segurança, armou, instruiu, proveu, puniu, mas recompensou.

Páscoa é sobre um tempo novo, pós sepultura, pós-exílio e escravidão, quando Jesus, cuja morte e ressureição o Pai fez coincidir sobre as celebrações pascais daquele ano. Assim, o Mestre inaugura finalmente o tempo da graça, passando pelas águas do batismo, pela tentação no deserto, para garantir a vida eterna, esta sim, a terra prometida, cujo preço foi pago porque nenhuma luta humana poderia conquistá-la.

Quanto aos ovos, meus filhos se acostumaram na infância a vê-los em pequenos pedaços nos potes de vidro já comprados quase assim, nas baciadas dos supermercados na segunda-feira, a preços quase módicos, talvez vítimas de cabeçadas de pessoas como eu, quando se apressavam pelos corredores. Seja como for, Feliz Páscoa!

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