O gato e o peixe

imagem: envato

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O gato subiu no colo do dono miando em desespero, até chegar junto ao pescoço, como se chorasse e quisesse gritar por oxigênio. Muitas vezes o tutor sentiu seus próprios olhos marejarem tentando acalmar o companheiro. Uma altíssima carga viral relativa a uma espécie de leucemia felina acende um alerta para a necessidade de uma vigilância ostensiva à imunidade do bichano, o que torna a convivência um tanto quanto mais cuidadosa e onerosa, sem dúvida.

Muitos deixam seus animaizinhos partirem ou os sacrificam, mas não este tutor! Com tanto oxigênio disponível circundando sua pequena cabeça, o gato parecia sorver cada partícula, se esticando para conseguir o que pudesse. Suas narinas obstruídas, mesmo limpas com hastes de algodão, não ajudavam muito.  O jeito era tentar acalmá-lo, fazendo carinho em suas têmporas, já que oferecer petiscos não resolvia e oferecer um lugar mais aconchegante do que o colo é impossível. Mesmo assim, ele se debatia, como se nada tivesse importância, só sobreviver. É desesperador! Nessas horas, até tentar uma cantiga de ninar o tutor tenta, sem muito sucesso. O gato dessa história sobreviveu ao desafio e atualmente está bem, obrigado, mas o tutor continua atento ao menor sinal de baixa imunidade, para que o vírus não domine seu frágil sistema novamente.

O peixe foi retirado da rede de pesca se debatendo, fazendo suas escamas brilharem ao sol daquele fim de tarde na fazenda, como se tentasse escapar a todo custo e voltar pro riacho depois de vencer as hastes de capim à beira das águas turvas. Suas brânquias vermelhas pulsavam quase à exaustão tentando se salvar, mas o oxigênio do qual precisava estava todo na água. Se pelo menos fosse um daqueles peixes de espécies que conseguem respirar fora d’água por um bom período de tempo, poderia despertar a misericórdia do pescador, mas não era este o caso. Seu destino já estava traçado. Na água, quando estava poluída, ele juntava o cardume e ficava na superfície, onde ainda restava oxigênio trazido pela micro correnteza que os mantinha vivos até a poluição se dissipar e tudo voltar ao normal.

Bem, se o gato está hoje vivinho da silva, o mesmo não se pode dizer do peixe. Não vou entrar em detalhes sobre seu paradeiro, para que nenhuma criança ao ler este conto não amaldiçoe este pescador que vos escreve. O que desperta a atenção aqui é o oxigênio disponível em contraste com a capacidade de respirar. Durante a recente pandemia que varreu o mundo, muitas amadas pessoas, por mais aparelhos que os servissem, por mais dinheiro que tivessem, se sucumbiram à carga letal de vírus, que os impediu de fazerem algo que fazemos a todo momento, mesmo sem perceber, e o pior, sem jamais agradecer: simplesmente respirar!

O drama do gato me faz pensar no quanto, muitas vezes, existe vida e amor à nossa volta e nosso sistema interior, um coração dominado pelo vírus do ódio, da amargura e da ingratidão nos impede de desfrutar do melhor desta terra. Quantas vezes, como o peixe, tentamos encontrar vida fora do manancial de águas vivas e morremos aos poucos, sem forças para escapulir da pressão da mão inimiga e voltar ao lugar de onde nunca deveríamos ter sido tirados ou mesmo saído por conta própria.

Inspire-se nisso: existe um tutor que já pagou seu preço de tratamento, te pega no colo e faz de tudo para te manter vivo. Sempre existirá um pescador que atrairá o seu coração e te colocará num aquário colorido de água sempre fresca em um lugar de destaque na casa, com vida abundante até o fim de seus dias.

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