O sorriso do garçom

Quando ele se aproximou de mim com um avental surrado e uma gravata borboleta preta completando o visual já amarrotado pela longa batalha do dia, seus olhos percorriam cansadamente um bloco de papel, onde sua caneta barata deslizava dançando, enquanto anotava meus pedidos.

Fiquei reparando aquela expressão de rosto de quem parecia estar contando os minutos para terminar a jornada. Logo deu meia volta e se misturou aos outros no salão abarrotado com pequenas mesas ocupadas. O ambiente do bar era típico do centro da metrópole. Um quase tumulto de vozes estridentes, um bigodudo atrás da bancada com um pano de prato jogado nos ombros, espremendo laranjas e se esticando para pegar alguma coisa nas prateleiras nas paredes. Havia uma TV suspensa ligada num jogo de futebol qualquer para onde ninguém olhava, um balcão abarrotado de bombons, chicletes e balas sortidas para troco e maços de cigarros empilhados no canto da redoma que cercava o caixa…

Uns bebiam cervejas, outros devoravam omeletes, alguns já tinham a conversa mole e faziam comentários inoportunos sobre política, já outros entravam e saíam apressadamente depois de dar uma espiadela no cardápio. A noite já anunciava a madrugada e meu quarto de hotel me esperava paciente a poucos metros dali. A polícia rondava, cães dormiam na calçada, moradores de rua já se agasalhavam no beco das paredes e eu estava ali, pensando naquele jovem que voltou trazendo meu sanduíche, compartilhando comigo um sorriso amarelo e um agradecimento pela preferência.

Fico construindo na mente o que poderia ser a sua história, como a de milhares de jovens que estão ali, no meio daquele turbilhão, no olho do furacão, o dia todo, mas que no fim do expediente, precisam correr para pegar o último trem para o subúrbio e voltar para casa.

Acordou às cinco e trinta em ponto para conseguir estar no trabalho antes das oito, a tempo de vestir a farda e começar a luta. No primeiro trem, de tão apinhoado que estava, pára na estação, e ele precisa se dependurar na porta e forçar uma entrada no vagão, se não quiser ser expelido e se atrasar. Dentro, ainda tem que liberar espaço para os vendedores de amendoins que se infiltram com água no meio das partículas de solo. Haja volume no fone de ouvido para sufocar o barulho das rodas de ferros nas emendas dos trilhos. Pior é ter que respirar o ar poluído de hálitos e nicotina, além do próprio cheiro de óleo queimado e fumaça que parece ser onipresente naquele ambiente.

Quem dera poder estudar, ir ao parque no fim de semana, fazer um churrasquinho na laje com os amigos fora do Natal ou aniversário…, mas naquele emprego, era impossível. Sem contar o risco de vida nos assaltos à mão armada que já presenciara, dos crimes à luz do dia, nos tiroteios da polícia perseguindo a malandragem. Este é apenas um retrato pintado em minha mente, fruto de histórias lidas nos jornais, de depoimentos na imprensa do mundo cão, mas que reflete a realidade de muitos deles, umas ainda mais dramáticas, outras nem tanto.

Volto para o hotel, me jogo na cama, zapeio desinteressadamente os canais na televisão antes de tentar dormir. Fico pensando em tantos motivos que encontramos para murmurar, enquanto muita gente mata um leão por dia, apenas sobrevive, termina quase todos os meses no vermelho, mas tem que deixar em casa histórias de pobreza e necessidades básicas não supridas, para terem que, ainda no fim da noite, sorrirem para um estranho e dizerem: muito obrigado!

Pr. Anibal Filho

Doutor em Produção Vegetal pela UFG e Pastor auxiliar da Igreja Batista Renascer.

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