O perfumista

imagem: envato

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O Rei enviou seu único filho a uma ilha distante, densamente povoada e isolada do resto do mundo, onde todos os habitantes, sem um uma única exceção, tinham um problema: cheiravam mal. Já nasciam assim e, à medida que cresciam, essa característica era, ora menos intensa, ora mais branda, a depender da vida que levavam, dos seus pensamentos e atitudes. Não havia forma de resolver o problema. Na verdade, o próprio Rei já havia se decepcionado com uma tentativa que, com o tempo, se revelou paliativa.

Era um ritual que estabelecia uma série de regras e costumes que, uma vez obedecidos à risca e ensinados a exaustão por aqueles que foram designados pelo Rei para fazê-lo, não produziam os resultados esperados. O mau cheiro continuava em toda parte, ainda que quase imperceptível em alguns que se esforçavam para cumprir todas as ordenanças. O povo era rebelde, indisciplinado, insubmisso às ordens e instruções reais, por isto, o Soberano não viu outra saída senão enviar Seu filho àquela missão.

Quando o jovem chegou à ilha, sua presença foi um misto de admiração, esperança e inveja. Ele dizia conhecer a solução para o problema, afinal, ele era o único ser vivente entre eles, cujo cheiro era agradável, como uma fragrância suave e marcante ao mesmo tempo, que inebriava a todos que se aproximavam e permaneciam ao seu lado em suas andanças pela ilha.

Onde ele passava seu perfume atraía as pessoas. Todavia, ainda que aqueles a quem ele tocava tivessem suas vidas impactadas e transformadas, ainda que multidões o seguissem por toda parte desfrutando de sua aromática e balsâmica presença, o problema do mau cheiro das pessoas continuava intocado, embora suavizado. Ele era hábil em identificar, categorizar e descrever o cheiro das pessoas e isso começou a incomodar os líderes da ilha, que temiam perder o controle sobre o povo. Muitas vezes, ele os confrontavam, dizendo que, embora se vestissem de púrpura e linho caro, seus interiores continuavam a cheirar muito mal, denunciando a hipocrisia deles.

De onde vinha seu odor tão cativante? Era uma mistura de excelentes ingredientes de origens puras, as mesmas que ele desejava que seus seguidores tivessem, para que se tornassem tão limpos e perfumados quanto ele mesmo. Ele desejava que todos aqueles que o seguiam tivessem combinações olfativas harmoniosas e que pudessem imprimir estas mesmas características em outras pessoas, com ele por perto, de alguma forma.

Foram apenas três anos de peregrinação pela ilha, quando invejosos e párias, inflados de ódio por seus líderes hipócritas e gananciosos, o levaram à morte. Foi assassinado. Todavia, o resultado de sua morte foi absolutamente revelador: o segredo da cura para todo mau cheiro estava no seu próprio sangue, de modo que todos aqueles que recebiam uma gota aspergida sobre a sua cabeça, tornavam-se livres do cheiro desagradável e ainda podiam sair pela ilha, tocando e curando outras pessoas. Soube-se depois que o próprio Rei o fez levantar da sepultura e o levou de volta a assentar à sua direita na sala do trono, porque, pela sua origem, excelência e propósito, era impossível que permanecesse morto.

Até hoje, ilha afora, todas as pessoas que recebem porção deste sangue sobre sua fronte, são livres do poder da podridão e um dia, poderão participar da grande festa que o Rei está preparando no palácio. O plano é festejar com todos aqueles que passaram a ter a mesma fragrância e, exatamente como Seu filho, passarão da morte para a eternidade, para que onde seu Filho estiver, seus discípulos estejam com Ele pra sempre!

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