Refugiados em Goiás e a língua dos recomeços

O Dia Mundial do Refugiado é comemorado no dia 20 de junho e, em 2021, completa-se 20 anos desde que a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu a data com o objetivo de conscientizar a população mundial acerca da importância da causa do grupo de milhões de pessoas que, anualmente, são obrigados a deixar seus países rumo à uma nação que os acolha. Em Goiás, na cidade de Aparecida de Goiânia, o Recomeço (@recomecorefugiados) é um exemplo de projeto que presta acolhimento para refugiados na região com aulas de português e outras atividades de apoio e acompanhamento. Conversamos com Bruna Guedes, co-fundadora do projeto que já atendeu cerca de 100 refugiados.

Qual é a história de fundação do projeto Recomeço?

Desde o ano de 2018, no meu terceiro ano do Ensino Médio, eu já me dedicava ao ensino da Língua Portuguesa para sírios. Sempre tive uma paixão muito grande pela causa dos refugiados. Com isso, tive a ideia de fazer um projeto sobre esse trabalho com os refugiados e logo depois apresentei o protótipo para um intercâmbio nos Estados Unidos. Para minha surpresa ganhei uma bolsa de 100%. Então, por meio de um amigo, conheci a Isadora Araújo. Nós tínhamos algo em comum: a paixão pela temática dos refugiados. E foi assim que o projeto Recomeço iniciou. Nos tornamos grandes parceiras: eu entrei com a prática e ela com a teoria da Língua Portuguesa. Levamos o Recomeço muito a sério.

Muitas pessoas têm dúvidas sobre quem são os refugiados. Qual é a definição de refugiado?

Refugiado é uma pessoa que se vê obrigada a se mudar de país por questões de guerra, perseguição religiosa, étnica, conflitos políticos, etc. Um refugiado “cai de paraquedas” em um outro país e chega completamente sem apoio. Pensando nisso, o logotipo do Recomeço é uma pessoa caindo de paraquedas.

Qual é o principal objetivo da iniciativa?

O objetivo do Recomeço é integrar os refugiados na sociedade brasileira. Queremos fazer parte dos recomeços de outras vidas. Quando o refugiado vem para o Brasil, a sua vida “vira” de cabeça para baixo e ele precisa começar quase tudo do zero. Várias experiências profissionais passam a não ser tão válidas no Brasil, como eram nos seus países de origem ou ainda, muitos não conseguem revalidar diploma e trabalhar nas áreas que se formaram, além de outros que não tiveram acesso à educação de qualidade. Por isso, a iniciativa desse projeto tem esse objetivo: ajudar essas pessoas nesses recomeços.

O que é oferecido aos participantes do projeto?

O Recomeço é dividido em quatro eixos: educação, mundo do trabalho, cidadania e o eixo das campanhas de arrecadação. Na educação, entendemos que a língua é a principal forma de acolhimento, pois tudo o que eles precisam resolver em sociedade no dia-a-dia será necessário o domínio do idioma. Por isso, não somente ensinamos a língua portuguesa, mas também formamos instrutores de Português. Usamos um conceito que se chama língua de acolhimento, que não é apenas com o uso da gramática, mas o ensino sobre como sobreviver na sociedade brasileira. No eixo do trabalho, vemos que os refugiados possuem muitas dificuldades de conseguir trabalho com carteira assinada, ou de se fixarem em um emprego. Então, é oferecido um banco de oportunidades, onde semanalmente, mandamos vagas de empregos disponíveis e oportunidades de cursos profissionalizantes. Além disso, no eixo de cidadania, orientamos sobre os direitos e deveres que possuem no Brasil. Assim, eles passam a compreender questões como: horas semanais trabalhadas e o direito assegurado de férias. Temos advogados voluntários para instruir em casos específicos e em demandas gerais dos grupos. Por último, fazemos arrecadações, tanto para os refugiados, quanto para o Recomeço enquanto projeto social. Doamos materiais escolares, móveis e alimentos. Quando vemos que necessitam de algo, logo nos mobilizamos para que eles possam ser ajudados.

Você se lembra de um momento marcante vivido com um dos alunos?

Me lembro de um momento em uma aula de conversação em que fiz a pergunta: se você tivesse algum superpoder, qual seria? Foi aí que um deles respondeu que seria o de fazer dinheiro, para que pudesse comprar um biscoito. Com o que ele ganhava, ter um biscoito seria um privilégio. Esse foi um momento muito doloroso, onde refleti sobre os meus próprios privilégios e sobre a realidade e vulnerabilidades que eles vivenciam.

Como as pessoas podem ajudar a causa dos refugiados?

Podemos citar duas formas, a primeira é a partir de doações para organizações que impactam e acolhem refugiados. A segunda é a conscientização dos problemas e dificuldades que os refugiados enfrentam no Brasil e no mundo. Uma pessoa consciente será mais empática e irá evitar que ela mesma possa cometer alguma injustiça ou discriminação, como xenofobia, racismo ou preconceito linguístico. Além disso, poderá alertar outras pessoas que fazem parte do seu convívio social sobre possíveis discriminações.

Jéssica Lima

Formada em Jornalismo, atua como revisora editorial, produtora de conteúdo para redes sociais e atua como jornalista na equipe editorial da Revista Renascer.

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