A força da esperança

imagem: envato

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Eu sempre achei que aquela profusão de planos e sonhos aos noventa anos de idade fossem ilusão, hoje eu chamo de esperança. Levantou-se cedo, antes mesmo do sol raiar. Os cabelos brancos puxados para trás evidenciavam o raleamento dos fios e o peso da idade. De certa forma, contrastava com o sorriso largo, e a barba grisalha com os fios, lutando para se manterem ali. Nunca havia se acostumado com jeans, por isso a calça velha de tecido e a camisa de mangas compridas num xadrez pequeno verde-claro. Os pés que se arrastam vagarosamente pela casa, agora estão revestidos por um confortável mocassim de nylon azul. O friozinho da manhã pode ser driblado com um guarda-pó marrom de lã, que logo seria descartado e jogado no banco traseiro do carro, quando saísse para a consulta de rotina.

A curta viagem para o médico não gastava mais que quarenta minutos e eu, o motorista e acompanhante, já providenciava com antecedência uma seleção de modas de viola caipira das antigas, que ele acompanhava tentando marcar o ritmo com a mão ora no painel da pick-up, ora na própria perna. As conversas eram as mais frutíferas. Plano de voltar para a fazenda, criar bois, porcos e algumas galinhas botadeiras soltas pelo quintal. Mesmo com os olhos fitos na estrada, eu prestava atenção como quem se debruça num texto e tenta ler nas entrelinhas.

O que mantém viva a esperança de que estes planos seriam possíveis? As dores estavam lá, as queixas também. Não havia muito o que fazer, além de monitorar os batimentos cardíacos e a pressão. Também não se alimentava direito e vivia fingindo esquecer os medicamentos de uso contínuo deixados no criado mudo, junto a uma garrafinha de água, a carteira surrada, umas moedas soltas e uns cartões de banco já vencidos. Teimoso que só.

Contudo, a esperança está sempre lá, acesa. “Um dia vou “sarar” desses incômodos e vou poder retomar meu serviço na oficina, livrar sozinho o quintal de tanta praga. Nunca fui preguiçoso e nunca dependi de ninguém” – dizia sempre.

O dinheiro da aposentadoria está no banco, se acumulando, talvez só para dizer que tem e exibir orgulhoso o saldo aos mais petulantes. Um dia tive que questionar: de onde vem toda essa determinação, meu velho? Acha mesmo que vai ficar pra semente, ter o vigor que tinha e voltar ao passado de onde insiste em não se mudar?  A resposta é como um petardo: “Na vida a gente tem que manter a imagem do que se quer sempre na frente, como uma miragem no deserto. A gente vai caminhando na direção dela, mesmo nas dificuldades. Essa é a forma de manter a vontade de viver, de ter algo pelo que continuar insistindo na luta, um objetivo, um alvo sempre nos chamando”.

Bem, isso parece fé, já que é algo que se espera, mas não se vê. Parece mesmo um milagre, encontrar uma resposta que parece ter saído de um livro de autoajuda, mas que foi elaborada por um semianalfabeto que, a duras penas, teve que sobreviver a tantos percalços na vida.

Eu chego a me envergonhar das minhas lamúrias, como parte de uma geração que não aprendeu o valor do processo e, muitas vezes, mantém o foco apenas nos resultados. Se um poeta disse que a estrada se faz ao caminhar, é bem verdade o que já ouvi de outro sábio em situação de confronto de gerações: “O moço pode, mas o velho sabe”.

Hoje eu também sei, pelo menos que ainda tenho muito a aprender!

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