Quem vê casa, não vê coração

Ele já tinha corrido os olhos várias vezes pelas páginas daquele website à procura da melhor casa para alugar, dentro de suas condições já pensadas, repensadas e finalmente definidas. Local, preço, condições do imóvel, cômodos, garagem, quintal para seus cães, pré-requisitos imobiliários. Já tinha algumas pessoas importantes em mente, aquelas que seriam submetidas à constrangedora proposta de serem seus avalistas. Retirou os óculos embaçados e limpou suas lentes na própria camiseta. Quando deu mais um clique no mouse, agora julgando enxergar melhor, soltou uma exclamação em meio a um sorriso satisfeito: “Querida, acho que encontrei!”

As fotos da casa eram muito convidativas. Fachada bonita, jardim florido, quintal com grama verde, palmeiras ao fundo. Os armários da cozinha pareciam impecáveis. Ela resmungou algo sobre a cor do piso em cerâmica, enquanto se esgueirava para quase debruçar em seu ombro, tendo suas faces iluminadas pela luz do monitor já tarde da noite. “Perfeita!” Disse anotando um número de telefone parecendo ter chegado ao fim de uma exaustiva busca. Antes de desligar a máquina, ele ainda rolou a tela mais uma vez tentando buscar detalhes nas fotos e relendo a descrição do anúncio. Fez algumas contas no aplicativo de calculadora do celular e foi descansar.

Quando pegou as chaves na imobiliária, deixou um documento com foto e ouviu da atendente: “Você tem duas horas para devolvê-la. Caso decida locar o imóvel, trataremos dos detalhes”. Você conhece a casa? Parece bem agradável, não? Perguntou ele à moça. Ela apenas deu a entender que não. Ele pareceu perguntar apenas para tentar esconder seu entusiasmo. Desceu rapidamente pelo elevador para encontrar a patroa que o aguardava no carro, sem parecer muito ansiosa, rolando o feed de sua rede social. Logo se embrenharam pelo trânsito caótico de uma manhã de segunda-feira.

Que rua malcuidada”, reclamou a esposa baixando completamente o vidro da porta, reparando nos muros pichados e calçadas com lixo espalhado aqui e ali, como se cães famintos tivessem feito a festa na noite passada. O portão parecia emperrado e a caixa de correios estava entulhada de contas antigas e propagandas de distribuidoras de gás e sanduicherias com promoções.

Amor, tem certeza de que esta é a casa do anúncio?” – Indagou ela franzindo a testa enquanto ele abria a galeria de fotos e meneava a cabeça, visivelmente decepcionado. Praticamente calado, ele percorreu os cômodos da casa abrindo uma ou outra janela. Parecia que a casa tinha recebido um retoque mal feito e certamente as fotos do site tinham sido editadas.

O que aparecia como gramado no quintal estava irreconhecível e as palmeiras que apareciam no fundo da paisagem já estavam secas e pertenciam a um terreno baldio aos fundos. Este lote, aliás, pelo que dava para ver pelo muro baixo, mais parecia um cemitério de móveis quebrados ali depositados sob sol e chuva, no meio do capim alto.

Os armários da cozinha estavam lascados e suas portas desalinhadas. Algumas mal se fechavam. Um dos banheiros exalava um cheiro fétido, como se não houvessem sifões para impedir o retorno de gases do esgoto.

Ele não quis continuar a inspeção por muito tempo, até porque a esposa já havia desistido nos primeiros cômodos e já o esperava no portão, vez ou outra reclamando de sua demora em abandonar o ambiente. Realmente, pensou consigo enquanto se dirigia à imobiliária para devolver as chaves, bem diz o ditado, fazendo um trocadilho: Quem vê cara, não vê coração.

Sua mulher só fez um comentário irônico enquanto guardava o celular na bolsa depois de dar mais uma espiada no Instagram: “Isso tá parecendo os perfis de algumas das minhas amigas, que os pretendentes nunca se arriscam a se aproximar muito”. Caíram na risada!

Alguns minutos depois, após deixar a imobiliária às pressas e retornar ao carro, ainda teve tempo de dizer pra si mesmo: meu Deus, que qualquer pessoa que se aproximar de mim, jamais se decepcione por uma imagem enganosa que eu porventura tenha criado a meu respeito para me promover.

Me ajuda a ser menos opaco e mais transparente! Missão dada, lição aprendida!

Pr. Anibal Filho

Doutor em Produção Vegetal pela UFG e Pastor auxiliar da Igreja Batista Renascer.

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