Por onde andam nossos filhos? No quarto!

Vivemos um tempo de grande transformação nos relacionamentos sociais. Em pouco tempo, evoluímos significativamente no que se refere as possibilidades de comunicação pessoal a distância, e podemos dizer que estamos na era da tecnologia e da “comunicação”.  Apesar disso, nunca se observou tanta falta de comunicação entre as pessoas.

Tem sido comum pessoas passarem horas em salas de bate-papo virtual, disponibilizando pouco ou nenhum tempo para seus relacionamentos pessoais. Não são capazes de passar cinco minutos numa conversa à mesa, desfrutando dos benefícios desse encontro.

Quem nunca presenciou a cena em um restaurante ou em algum outro local público, onde casais ou famílias estão reunidas fisicamente, mas conectadas… ou seria desconectadas? Quando se abraçam, é para fazer selfie, e assim o mundo todo verá o seu abraço. Porém, elas não sentem o abraço, não se aconchegam umas nas outras, apenas simulam um abraço.

O fato é que estamos cada vez mais aparelhados com celulares, tablets, notebooks, etc. O contato via rede social tomou o lugar de boa parte das pessoas, cuja marca principal é a ausência de comprometimento. Os laços humanos estão fragilizados, como bem retrata o filósofo Zigmunt Bauman, em sua obra “Amor líquido”. As relações se misturam e se condensam com laços momentâneos, frágeis e volúveis. Tudo isso em um mundo cada vez mais dinâmico, fluído e veloz, seja real ou virtual.

Nesse contexto, lá estão eles, os nossos filhos, nativos digitais, que nasceram na era da inteligência conectada, buscando cada vez mais uma interatividade globalizada, porém, desconectados das relações familiares e sociais. Vale ressaltar que não sou contra as redes sociais, aliás sou usuária de boa parte desses artifícios cibernéticos, e acredito que às vezes esse afastamento não é de responsabilidade apenas da tecnologia, mas também uma consequência do grau de união e intimidade que eram compartilhados antes dela chegar. Mas, não podemos ignorar o quão crítico essa situação tem ser tornado. De fato estamos perdendo nossos filhos dentro de casa, e isso é alarmante!

Todo esse contexto reflete a trágica realidade vivenciada pela maioria das famílias atuais. Estamos ilhados! Cada um em seu próprio espaço, sem diálogos, sem troca de afeto e carinho.  O individualismo está presente e reinando dentro de nossas casas.

Porém, gostaria de convidá-los a pensar sobre outros aspectos que merecem igualmente nossa atenção, e que de alguma forma tem tornado nossos filhos vulneráveis a esse mundo tão atrativo: o “quarto”. Para isso, peço que reflita sobre as seguintes questões:

  • Quando nossos filhos finalmente saem do quarto, o que eles encontram aqui fora?
  • Enquanto família, temos proporcionado um espaço acolhedor o suficiente para que eles queiram permanecer fora do quarto?
  • Existe afetividade em nossa casa?
  • Como tem sido nossa escuta e acolhimento?
  • Há comunicação entre a família? Ou as crianças, adolescente e jovens continuam tão solitários quanto antes?

Ao longo da minha prática clínica como terapeuta, tenho tido a oportunidade de acompanhar muitas famílias que, na maioria das vezes, chegam ao consultório com alguma queixa ou sofrimento e muito raramente conseguem dar nome a esse sofrimento, ou conseguem contar todos os capítulos da história que os levou a situação atual. Tenho visto inúmeras famílias doentes e filhos adoecidos emocionalmente. Crianças e jovens deprimidos e ansiosos e se automutilando. Filhos abandonados em suas próprias casas, trancados em seus quartos, evitando inclusive conversar, recorrer aos pais em busca de ajuda. Tenho visto crianças e jovens se sentindo pouco amados, com pais que estão com eles, mas sem nenhum tipo de interação, literalmente no “piloto automático”.

Precisamos nos preocupar com nossos filhos que estão se perdendo dentro de nossas casas, sim!  Mas acima de tudo, como pais desta geração precisamos entender que o contato com nossos filhos é mais importante do que qualquer conversa ao celular.

Ao invés de um texto gigante dando parabéns na rede social no dia de seu aniversário, porque não aproveitamos para dar abraços, dedicarmos algum tempo para conversar com eles, levarmos para passear ou fazer algo que gere memórias positivas? Fundamentalmente devemos estar atentos às suas emoções. Muitas vezes nos relacionamos com eles simplesmente de modo funcional, sem olhar para dentro deles, para como eles estão se expressando. Não olhamos para as alegrias, tristezas, dificuldades e sofrimentos, não consideramos suas emoções.

Quando abrimos mão disso, corremos o grande risco de que nossos filhos busquem essa afirmação em outro lugar.

Meu desejo é que possamos fazer desse momento uma oportunidade para reencontros, transformações, crescimento, aprendizado e ensinamentos.

Se vai ser fácil? Não, não vai ser fácil! Se é possível? Sim, e precisa ser agora!

Dra. Cleo Borges Ferreira

Dra. Cleudineia Borges Ferreira é Graduada em Psicologia Clínica, Pós-Graduada em: Psicologia Escolar, Avaliação Neuropsicológica da criança e do adolescente e Psicopedagogia, especializada em Terapia cognitiva comportamental. Trabalha há 15 anos na Educação. Contato: (62) 9 8577-3474 ou (62) 3921 -6991

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