Eu, um santo?

Essa pergunta sempre nos vem à mente quando lemos Jesus dizer que deveríamos ser santos, porque Ele é santo. Quando deixei de pensar que deveria ser santo assim como Ele é santo, mas porque Ele é santo, fiquei menos inquieto, mas não menos intrigado. Olhando pra mim mesmo, sei que jamais seria um modelo de perfeição, mas num segundo olhar para mim mesmo, menos implacável e mais misericordioso, sei que posso ser uma referência de alguém que se santifica, que se separa, porque este é o significado original da palavra.

Análises teológicas à parte, ser separado não é uma sugestão, um estilo de vida proposto, mas uma ordenança. Veja bem, o fato de estar confinado na montanha e isolado da população não faz de um eremita um santo, nem um homem em conflito com a lei isolado em uma cela solitária pagando pelos seus crimes se torna santo, simplesmente pela separação da sociedade. Seus corações e mentes podem estar povoados de mágoas, rancores e ódio. Alguém, no meio da multidão ruidosa no centro de uma metrópole, pode ser santo, porque, a despeito do contato com pessoas, com tecnologia, com familiares e amigos, a separação no coração, é algo que distingue, que destaca, que aparta.

A santificação é um processo voluntário de alguém que, por atender a um chamado ou aceitar um convite e, por ser motivado em sua alma, decide se separar, se consagrar. Assim, todas as formas de sinapse com o universo ao redor, seja pessoas, sistemas, valores ou crenças, passam a ser automonitoradas intrinsecamente, sem uma autopenitenciação meramente religiosa, mas movida por um sentimento de amor, gratidão e devoção àquele que o chamou, que o atraiu para o discipulado.

Ter os olhos separados é escolher no que vai repousar a atenção, se demorar, absorver. Ouvidos separados são aqueles que recebem uma camada de filtros que coam as vozes e sons que insistem a ecoar e ressoar ao nosso redor.

Mãos separadas são aquelas que direcionam esforços, evitam o toque contaminador, dissipam os galhos de uma densa mata para abrir os caminhos estreitos que conduzem às fontes sagradas.

Os pés daqueles que anunciam as boas novas, a quem o profeta Isaías se referiu, são pés separados, que evitam caminhos tortuosos, bem como também são separados os pés daqueles que não se detém no caminho dos pecadores, como disse o inspirado salmista. O que dizer dos relacionamentos tóxicos de quem temos que manter distância? Dos livros que devem ser banidos de nossas estantes ou dos sites que sequer deveríamos dar uma espiada? Como não me referir aos hereges que espalham falsos evangelhos, aos artistas blasfemos, aos mentores ateus, aos mestres dos enganos de toda espécie?

Não estou fazendo apologia ao distanciamento dos pecadores, pois como luz do mundo, a missão é influenciar e dissipar as trevas e, como sal, livrar o mundo da podridão. Me refiro a uma mente separada, a um pensamento cativo a Cristo, como o Apóstolo dos gentios ensinava: que só ocupe nosso pensamento o que for verdadeiro, honesto, justo, puro, virtuoso, amável e de boa fama, digno de louvor.

Separação ou santificação é um processo de contínua vigilância, uma honesta prestação de contas à própria consciência, seguida de uma mudança de rumo, ajustes de percurso, para que, com as arestas devidamente aparadas, os princípios firmemente consolidados e comportamentos ajustados de modo a preservar a essência, seja possível combater o bom combate, guardando a fé genuína.

Ser santo se tornou erroneamente sinônimo de ser perfeito. Será que alguém, em sã consciência, acredita que aqueles que foram beatificados e canonizados pelo catolicismo eram seres humanos perfeitos?  Talvez a contaminação cultural religiosa tenha dado à palavra “santo” uma conotação de “inerrante”, mas isto é um grande equívoco.

A Bíblia diz que só Jesus Cristo não pecou. Só Ele pode ocupar o lugar de mediador pelo pecado dos outros, e o fez através de sua morte na cruz e sua ressurreição. Temos que ser santos porque Ele é “O Santo”. Temos que ser separados para Ele, para o louvor da glória d’Ele. Que o Espírito Santo ache lugar em nossos corações e mentes para nos ajudar a discernir tudo aquilo do que devemos nos separar em favor da consagração a Ele. Só assim saberemos como agradá-lo e sermos atraídos à Sua santa presença!

Pr. Anibal Filho

Doutor em Produção Vegetal pela UFG e Pastor auxiliar da Igreja Batista Renascer.

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