O queijo e o doce

Era fim de madrugada na velha fazenda e o sol ainda estava dormindo por detrás das montanhas. As gotas de orvalho na grama verde explodiam quando tocadas pelas pesadas botas que se arrastavam na direção do curral, onde algumas vacas passaram a noite ruminando as  sementes de baru que trouxeram do pasto, nas últimas horas que passaram sob a luz da lua. Os galos cantavam anunciando o novo dia e o velho caminhava com uma corda feita de pelos da crina do cavalo jogada no ombro, levando na mão direita um grande balde de alumínio.

Reses malhadas e brancas desciam pela trilha na encosta íngreme do pasto, enquanto seus bezerros esperavam cercados e inquietos numa parte do curral, berrando e parecendo tentar enxergar por entre as tábuas de madeira, quão perto estavam suas mães.

Quando todo o gado já estava guardado e as pesadas porteiras já estavam travadas em seus mourões, a rotina de todo dia parecia um balé bem ensaiado. Quando os primeiros raios de sol despontavam e iluminavam as copas mais altas das mangueiras e coqueiros esguios, os bezerros eram soltos e procuravam avidamente pelos úberes de suas progenitoras.

O velho os deixava sugar um pouco para estimular o leite a descer, mas logo esses filhotes eram amarrados nas patas traseiras da mãe. Mãos ligeiras apalpavam e exerciam pressão progressiva com os dedos nas tetas, fazendo o leite jorrar no balde, que logo estava pela metade, espumando e exalando um cheiro levemente adocicado, que se misturava ao cheiro dos animais, do estrume seco no chão e da brisa mansa que chegava do campo.

Tudo pronto. Depois da ordenha, o leite era dividido em latões: “a maior parte vai virar queijo, leva e já coloca o coalho”,  orienta o experiente fazendeiro.A tarde tudo isso vai estar enformado e salgado no ponto, escorrendo o soro pelas plataformas instaladas acima da bica d’água, no rancho do quintal”,  diz. “Esta outra parte vai virar doce. Leva e já coloca no tacho de cobre. Já acendi o fogão a lenha e as chamas estão crepitando. Despeje o açúcar que deixei em cima da mesa e fique por lá mexendo a fervura, até dar no ponto”,  passa a receita ao peão a idosa senhora se aproximando do curral.

Tarde do outro dia, hora da merenda. Três da tarde, lugares à mesa, conversas esparsas. O queijo e o doce, lado a lado, eram o centro das atenções. A mesma origem, a mesma matéria prima extraída por mãos hábeis. Destinos diferentes por um dia, trabalhados na prensa ou no fogo, dando o melhor de si. Agora, unidos no mesmo prato, degustados saborosa e vagarosamente. Senso de propósito, de utilidade, como se fosse missão cumprida.

Tudo isso lembra a nós mesmos, feitos do mesmo pó da terra, moldados para servirmos a um propósito Divino. Uns submetidos a pressões, colocados em formas, temperados com sal. Outros, submetidos ao fogo, fazendo evaporar o desnecessário, restando a doce essência, outros ainda, separados para outros fins. O que mais dizer?

Amar-nos mutuamente é também nos completarmos uns nos outros, na certeza de que, apesar de termos sido feitos da mesma matéria prima e ainda que sejamos preciosos na individualidade, seremos ainda mais na unidade, plenos quando nos unirmos num mesmo propósito.

Glórias Àquele que nos separou uns para queijos, outros para doces, outros para tantos derivados de seu amor, todos, porém parte da mesma ceia, onde Ele serve o Pão da Vida aos famintos e Água Viva aos sedentos!

Pr. Anibal Filho

Doutor em Produção Vegetal pela UFG e Pastor auxiliar da Igreja Batista Renascer.

Você também vai gostar de ver

guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments
0
Would love your thoughts, please comment.x
()
x