Quando ele passou pela portaria da movimentada academia, a recepcionista pareceu ser atenciosa, mas logo que o homem atravessou a catraca, ela meneou a cabeça e deu um disfarçado sorrisinho sarcástico. A música bate-estaca rolava solta, corpos delineados ou raquíticos se misturavam aos opulentos, o suor brilhava na testa dos mais empolgados nas esteiras.
Ele se olhou no enorme espelho de parede, perto dos televisores gigantes que, silenciosamente exibiam jogos de futebol para os quais ninguém parecia ligar. Ele procurou um aparelho disponível e se ajeitou para se aquecer sem regular a máquina com pesos.
Aos setenta e cinco anos de idade, não se envergonhava em exibir seus bíceps retraídos e seus tríceps flácidos em uma camiseta regata, mas se sentia firme e ágil, se locomovendo sem dificuldade alguma e executando movimentos bem coordenados.
Quando foi abastecer sua squeeze com água fresca, notou que um musculoso atleta o fitava em silêncio, acompanhando-o com o olhar pensativo. Trocaram olhares por um instante em seu retorno ao aparelho e logo ele iniciou seu treino leve em pesos que subiam e desciam compassadamente, em séries de dez repetições contadas com lábios semicerrados. Estava feliz, realizado, saudável, inserido numa rotina disciplinada, com resultados excelentes em todos os recentes exames.
O rapaz ao lado, vinte e sete anos de idade, que exibia um dorso invejável, braços fortes e membros inferiores robustos, estava com a cabeça longe. Os efeitos das substâncias pré-treino já pareciam ter cessado, mas ele insistia em suas pesadas e exaustivas séries de exercícios. Tudo na vida a construir. Ele tinha terminado a faculdade, mas estava desanimado com as possibilidades de trabalho. Um relacionamento fracassado, um hemograma comprometedor da saúde em função do uso de anabolizantes e a angústia pelas cobranças dos pais que ainda o sustentavam em casa. “Como estarei naquela idade?”, pensava consigo. “Estarei vivo? Terei tanta disposição? Terei o olhar sereno daquele senhor que parece se orgulhar da idade que tem e adotar um estilo de vida tão disciplinado? A que custo?”, refletia.
O senhorzinho seguia seu ritmo. Aposentado como professor titular em uma grande universidade, filhos criados e encaminhados na vida, netos espalhados pelos quatro cantos do mundo, a esposa o aguardando enquanto prepara seus ovos mexidos para quando voltasse pra casa. As bodas de ouro já vieram, os méritos expostos em diplomas nas paredes, as fotos antigas se misturavam às dos netos na estante. Tudo certo, graças a Deus, dizia sempre.
Depois do treino, coincidentemente, os dois disputaram um lugar na catraca de saída e uma conversa rápida foi quase inevitável. “Me conta o segredo de tanta disposição e o que está por trás deste olhar sereno e confiante…”, disse o jovem ao idoso, destravando a porta do carro já na calçada, enquanto o senhorzinho se agachava para amarrar o cadarço do velho tênis preto de nylon.
“Meu rapaz”, disse calmamente o senhor. “O tempo passa, as vaidades cessam, os valores mudam. Treinar a alma, a musculatura das emoções, cultivar a disciplina em tudo, talvez seja este o segredo”. Ele parou por um instante de falar, derramou o resto de água da squeeze no canto da calçada e enquanto rosqueava a tampa, olhou para o jovem ainda esperando que ele completasse a fala. “Equilíbrio, meu jovem, equilíbrio!”.
O apóstolo Paulo disse que todo atleta em tudo se domina para alcançar um prêmio corruptível, mas nós temos que lembrar de dominar o espírito, a alma e fortalecer nossos músculos espirituais, para alcançarmos uma coroa que jamais vai se corromper em uma história de vida da qual vamos sempre nos orgulhar.
Uma troca de sorriso amistosos selou o fim da conversa, mas, quisera o senhor, que aquele conselho pudesse marcar o início de uma nova história para aquele belo, forte, mas desorientado e inquieto rapaz.