Pausa para o cafezinho ou vida que segue?

Enquanto guardava o celular no bolso da calça, ele esboçou um sorriso fitando o nada e já engatou um pensamento feliz enquanto caminhava para a cozinha. Depois de mais de uma década, aquele amigo da faculdade estava de passagem pela cidade e iria visitá-lo à noite. Então, lhe ocorreu de separar aquele café especial importado da Colômbia, que ficava no pote hermético no topo da prateleira do cantinho do café, inacessível para os reles mortais.

Muitas histórias seriam ressurretas um pouco mais tarde, depois do abraço caloroso aquecido pela expectativa de um reencontro muitas vezes frustrado. Todavia, o ponto alto seria a pausa para o café, que seria preparado em um ritual quase místico e certamente, apreciado lentamente, quando cada pequeno gole seria sorvido com os olhos semicerrados, quase num êxtase, em meio à aromática bruma leve que subiria da xícara ainda mais especial.

Ele gostava de surpreender, de proporcionar estes momentos memoráveis em sua casa, para criar uma memória agradável pro resto da vida às pessoas de quem gostava. Horas passam, mesa posta à espera, almofadas soltas no sofá para amaciar a longa conversa e o toque da campainha.

— Caramba! Sua  foto de perfil na rede social não faz jus ao seu “shape” — diz entusiasmado.

— Pena que não posso dizer o mesmo sobre você! — ouve em meio às gargalhadas efusivas.

— Que prazer te reencontrar! Exclama sinceramente.

— Agora sim, a recíproca é verdadeira — ouve satisfeito.

Conversa vai, conversa vem…na verdade, para ele, mais vem do que vai. O cara parece que engoliu agulha de vitrola, pensa consigo. Como conta vantagens e se exibe! Uma metralhadora verbal, diria sua mulher, preparando alguma coisa na cozinha para degustarem. Mas ainda restava uma esperança: a pausa para o café! Ele, com certeza, iria adorar o momento, a fragrância, o aroma, louco que sempre foi por essa bebida viciante…

O cenário muda. O café está esfriando na xícara do convidado, observa o anfitrião inquieto. À mesa, o tagarela só tem olhos pra si mesmo, mal interage. Que monólogo tedioso, resmunga interiormente o amigo que insistiu em receber o velho colega em casa. De repente, num ímpeto, num gole único, o convidado bebe o café como se fosse aquele remédio obrigatório, às pressas. Logo volta a falar sobre seus projetos futuros. Frustração. Decepção. Que momento desagradável. O que era pra ser degustado e apreciado como os momentos excelentes da vida devem ser, foi simplesmente engolido e certamente nem será lembrado. Mas o pior ainda estava por vir.

Quando o anfitrião resolve falar um pouco de sua vida, compartilhar suas vitórias sonhadas nos tempos da faculdade, o visitante parece ter sentido espinhos na cadeira, fica andando inquieto em volta da mesa, logo checa mensagens no telefone e resolve ir embora. Já vai tarde, pensa o anfitrião, sem sequer, nem por cerimônia, pedir que ele volte outra vez.

Na vida, muitas vezes temos a oportunidade de vivenciar e nos deliciar com situações que poderiam ser inesquecíveis, as quais nosso Pai nos proporciona. Contudo, nosso egocentrismo, nossa necessidade de autorreferência e, por vezes, egoísmo e insensibilidade, nos leva à superficialidade e incapacidade de perceber o quanto somos especiais para Ele.

Que possamos participar dos banquetes memoráveis para os quais somos convidados, sem a pressa e a frieza que correm o risco de ofender ou, no mínimo, decepcionar a quem nos presenteia!

Pr. Anibal Filho

Doutor em Produção Vegetal pela UFG e Pastor auxiliar da Igreja Batista Renascer.

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