Três da tarde, um dia qualquer do início de dezembro no meio da década de setenta. O trem de ferro apontava apitando entre as casas mais longínquas e quintais com bananeiras e laranjeiras, interrompendo o trânsito de fuscas, carroças e bicicletas.
Na plataforma da estação, dez crianças ficavam em alvoroço, uns com os olhos fitos na locomotiva que se aproximava, outros amarrando os cadarços dos sapatos enquanto os mais velhos ajudavam a reunir as sacolas, mochilas e malas para facilitar a entrada no trem. Tudo com gritaria e muita ansiedade pela tão esperada viagem. A mãe tentava controlar a euforia dos pirralhos, com palavras de ordem sobre silêncio, calmaria e adjetivos não tão carinhosos.
Quando o trem estacionava rangendo as rodas e se estendendo ao longo de toda a plataforma, um robusto senhor de meia idade, uniforme surrado e quepe azul parecia uma estátua à porta da composição, recolhendo e ticando os bilhetes com um perfurador de mão. Alguns minutos depois todos estavam acomodados no vagão, depois de disputarem quase a tapas os lugares próximos às janelas.
A viagem era uma espécie de prêmio de fim de ano, depois dos conturbados dias de provas finais no grupo escolar. Para a mãe, era um alívio saber que poderia contar com ajuda dos pais na fazenda, quando a meninada seria alimentada por quase dois meses, mesmo tendo que espalhar os colchões de palha de milho pelo assoalho do casarão.
Assim, a trupe se esparramava para dormir depois de cochilar ouvindo histórias na grande cozinha, ao rabo do fogão de lenha, à luz das lamparinas. A viagem de trem era um misto de aventura e fascínio pelas paisagens exuberantes de rios, montanhas e túneis. Quando era o fim da linha, na estação quase à beira do rio com moitas de bambus em suas margens, sempre tinha uma camionete e um sorriso largo à espera.
O tio se encarregava de fazer o traslado da meninada que se espremia na carroceria, cantando as canções populares do rádio e gritando cada vez que a estrada oferecia uma lombada leve, que chegava a esfriar a barriga. Era um tempo em que ninguém parecia ter medo de crianças se despencarem pela estrada ou era mesmo o único jeito possível, e era melhor fazer de conta que a preocupação não existia para a mãe aflita dentro da cabine.
Nas vezes em que o fim da viagem entrava pela boca da noite, havia uma parada na fazenda do tio, antes do destino final na manhã seguinte. Quantas memórias dos jantares com deliciosas almôndegas e nacos de carne que se desfiavam depois de fritas na gordura que as latas conservavam por meses. Logo, o conforto das camas, os sons da noite e os pedidos esparsos de bênção dos quartos à luz de lampiões, faziam com que tudo parecesse mágico.
Logo seria de manhã, com o sol invadindo as janelas, ao som da orquestra do gado no curral e da passarada em algazarra no vasto quintal. Hora de levantar acampamento, tomar leite fresco com quitandas e ganhar a estrada novamente, para o lugar onde um casal de velhinhos esperava fitando a porteira pelas janelas azuis de madeira, para logo ouvir a algazarra dos cães quando a camionete chegava com a turma cantando eufórica.
Deus cuida de tudo pra quem espera n’Ele. Sempre vai haver alguém disposto a ajudar, um sorriso na chegada, uma mão estendida, uma mesa farta, uma boa surpresa, para, no fim das contas, se traduzir em gratidão e louvor ao Seu nome e produzir boas memórias para alimentar a mente, quando o trem da vida precisar de esperança para continuar!