Direito ou dádiva?

A sociedade ocidental enfoca muito os seus direitos, sendo eles individuais ou coletivos. Essa é a tônica que pavimenta o caminho de muitas demandas judiciais, que fundamenta os clamores, estimula calorosos debates, além de provocar cisões, inimizades e disputas. Quando a sociedade faz cumprir o seu conjunto de leis e prima pela justiça ampla, geral e irrestrita, a questão dos direitos e de suas concessões ou restrições parece fluir harmoniosamente.

No entanto, quando a corrupção é capilarizada em todos os setores sociais, econômicos, políticos e até religiosos, o que é gerado é como um câncer com metástase, uma praga, que acentua injustiças e incrementa o abismo social.  Além disso, atitudes corruptas trazem consigo o clima de incerteza e descrença no poder público, uma desconfiança da lisura de procedimentos de muitos profissionais, além de pôr em xeque a ética de processos, a concessão ou cassação de benefícios, a democratização de oportunidades e até condenações e prisões.

Nesse ambiente contaminado, desigualdades se acentuam, prolifera o mérito às espertezas, a culturas das “vantagens” e, de forma indireta, o estímulo às práticas delituosas, uma vez que o “crime” parece compensar.

Quando a alavanca do piloto automático da mente está emperrada na opção “Direito”, a opção “Dever” acaba por ficar enferrujada, disfuncional. O coração arrogante passa a tratar Deus como um provedor com obrigações de cumprir o que prometeu, assim, passamos a agir exatamente como uma criança birrenta gritando que “não pediu para nascer”.

Sem entrar no mérito teológico das “determinações, tomadas de posse e declarações”, a ideia é refletir sobre a atitude do coração de um pecador, barro na mão do oleiro, ao se dirigir ao Deus eterno, criador e sustentador do universo e, sobretudo, Pai de amor, salvador e redentor da alma humana.

A correta significação de quem é o homem e de quem é Deus, trará a nossa própria aceitação a condição de sermos seres vaidosos, gananciosos, egoístas e injustos, face à imagem de um Deus soberano e justo. Afinal, por que falar de corrupção em contraponto à restituição? A tentativa é alcançar a adequada significação desses conceitos.

Aquilo que foi roubado, extorquido ou pago indevidamente, é passível de restituição. Algumas pessoas, na empáfia de sua autojustificação, dizem que sonegam impostos porque a restituição é muito injusta e, como forma de “corrigir” ou compensar esta injustiça, forjam recibos, omitem valores. Outros, como consequência de suas improbidades ou inconsequências, alegam serem provados e, por esta causa, merecedores de uma intervenção Divina em seu favor.

Quando Deus prometeu a Israel restituir os anos que foram consumidos pelos gafanhotos, não se referia ao tempo, mas às colheitas. Devemo-nos lembrar que aquilo que fora devorado pelos gafanhotos era fruto de meses de trabalho e esforço dos lavradores. Era um direito colher. Os Juízes no Velho Testamento restituíram posses aos seus verdadeiros donos. O caso emblemático de Jó não é tratado na Bíblia como restituição, mas como um caso de restauração ao estado anterior, neste caso, ainda mais abençoado.

A Igreja precisa orar para que seja restituído tudo aquilo que os inimigos e exploradores dessa nação roubaram desde seu descobrimento. Já parou para pensar nos minérios, madeiras e riquezas naturais que nos foram pilhados ou levados indevidamente? Você já leu sobre pirataria na pesquisa científica que literalmente “rouba” nossa biodiversidade? Sem contar nos bilhões advindos da corrupção econômica (governos e empresas) que poderiam voltar aos cofres públicos e serem saneados de forma justa e correta.

Jesus disse que o Diabo veio para matar, roubar e destruir. Talvez ele até comece pela prática de roubar, que por si só, já pode levar à destruição e à morte. Mas, Jesus disse que Ele veio para que tivéssemos vida em abundância. Literalmente, o Mestre, sobre este assunto, “falou pouco mas falou tudo! ”, concorda?  Que Deus nos restitua tudo aquilo que nos foi roubado, cobrado indevidamente, subtraído, seja por uma injustiça ou pela pandemia. Que o nosso piloto automático seja a gratidão pela dádiva da vida e pela certeza que Ele nos supre em nossa total dependência de sua graça e poder.

Pr. Anibal Filho

Doutor em Produção Vegetal pela UFG e Pastor auxiliar da Igreja Batista Renascer.

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